A economia russa continua a crescer apesar das sanções da União Europeia (UE) contra Moscovo e Bruxelas não esconde a preocupação com a crescente evasão às suas medidas restritivas e com os limites ao seu impacto.
As “medidas restritivas” (expressão técnica usada por Bruxelas para as sanções) da UE contra Moscovo começaram em 2014, na sequência da anexação da Crimeia e da não aplicação dos acordos de Minsk, mas foram severamente agravadas após a invasão de Moscovo das províncias de Donetsk e Lugansk, em fevereiro de 2021.
Até agora, Bruxelas já aplicou 14 pacotes de sanções, que permitiram congelar bens russos na UE no valor de mais de 20 mil milhões de euros e o bloqueio de mais de 380 mil milhões de euros do Banco Central da Rússia na comunidade e no G7.
Ainda assim, em 2023 a economia russa cresceu mais do que as economias da Europa e dos Estados Unidos, com uma subida de 3,6 por cento.
Contudo, grande parte desta subida deve-se aos gastos do Kremlin no esforço de guerra, dois anos após o início da invasão da Ucrânia e vários especialistas questionam se este desempenho será sustentável e alertam para as consequências a médio prazo do estado das finanças russas.
Para já, Bruxelas avisa para a necessidade de intensificar os mecanismos de controlo à aplicação das medidas restritivas, apostando no reforço da cooperação bilateral e multilateral com países terceiros.
“Se, apesar das sanções individuais e do reforço do diálogo, a evasão continuar a ser substancial e sistémica, a UE terá a possibilidade de tomar medidas excecionais de último recurso”, afirmou o Conselho Europeu num recente documento.
Para Mário João Fernandes, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em Direito Internacional, o efeito das medidas restritivas da UE fica, em parte, limitado pelo facto de o Conselho de Segurança das Nações Unidas não se pronunciar de forma suficientemente assertiva sobre a matéria (por causa da capacidade de veto da própria Federação Russa).
A UE conseguiu congelar milhares de milhões de euros, mas não os conseguiu confiscar, diminuindo as consequências das sanções.
“Grande parte das divisas russas estão no Ocidente. Cerca de 380 mil milhões de euros estão congelados, sobretudo na Bélgica. Mas discute-se o que fazer, já que não houve o seu confisco”, disse à Lusa Mário João Fernandes, explicando que, como o Conselho de Segurança não se pronunciou, não há mandato jurídico para o seu confisco.
Este especialista chama ainda a atenção para algumas estratégias que a Rússia está a usar para contornar o efeito das medidas restritivas do Ocidente, nomeadamente sobre a proibição de importação de petróleo.
Em junho de 2022, o Conselho Europeu adotou um pacote de sanções que proíbe a aquisição, importação ou transferência de petróleo bruto transportado por mar, bem como de determinados produtos petrolíferos da Rússia para a UE.
Por outro lado, a UE aplicou um limite máximo ao preço do petróleo bruto russo, fixado em 60 dólares por barril, ao mesmo tempo que proibiu os navios da UE de transportarem petróleo bruto russo.
“O que eles fizeram foi ir aos sucateiros de várias partes do mundo e compraram 100 petroleiros para transporte, com o Estado russo a assumir os seguros desses navios”, explicou Mário João Fernandes para ilustrar a habilidade de Moscovo para contornar as sanções petrolíferas, num esquema acompanhado pelo uso de “navios fantasma” que continuam a transportar petróleo (muitas vezes já refinado, para eliminar lastro) para os dois principais compradores: Índia e China.
Este analista indica ainda outra forma como Moscovo está a conseguir diminuir o impacto das sanções internacionais, que também se aplicaram à diminuição de importação de gás natural.
“Houve diminuição. Mas a venda de gás natural não foi totalmente proibida. A torneira foi fechada devagar. Mas a Federação Russa continua a vender a Eslováquia e à Hungria”, explicou Mário João Fernandes, lembrando que a compra de gás na UE aumentou em 2023.
Este especialista em Direito Internacional defende que deve haver uma revisão dos tratados da UE, para conceder maior eficácia a medidas sancionatórios de regimes como o russo, por exemplo retirando a cláusula de unanimidade na tomada de decisões.
Esta revisão pode evitar situações como as que têm sido criadas pelo Governo da Hungria, que tem criado várias dificuldades em embaraços a Bruxelas, de cada vez que há ameaças de bloqueio que arrastam problemas e permitem a Moscovo escapar aos impactos mais duros dos mecanismos de sanções.