A integração de imigrantes e refugiados em Portugal é “um mar de burocracia”, observa o Serviço Jesuíta aos Refugiados, que questiona a capacidade da Agência para a Integração, Migrações e Asilo em dar resposta aos processos que herda do SEF.
Na segunda-feira, 18 de dezembro, comemora-se o Dia Internacional dos Imigrantes, que o Serviço Jesuíta aos Refugiados assinala com a apresentação do Livro Branco sobre os direitos das pessoas imigrantes e refugiadas em Portugal – 2023, com um levantamento de todos os obstáculos que estas pessoas sentem no processo de acolhimento e integração em Portugal.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do gabinete jurídico do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) relatou a experiência das equipas que, no terreno, apoiam imigrantes e refugiados a “passar este mar de burocracia, que é o processo de integração em Portugal”.
Carmo Belford explicou que logo no primeiro capítulo do livro é feita uma análise da aplicação prática das alterações à Lei de Estrangeiros, feitas no ano passado, e que a responsável considera “muito positivas”.
“Constatámos que, na prática, as coisas não correspondem exatamente àquilo que está previsto na lei”, apontou, acrescentando que “a maioria das recomendações” feitas pelo JRS no Livro Branco “não passam por alterações legislativas, passam por pôr a lei em prática”.
Segundo Carmo Belford, “é esta parte que falha, sobretudo nas políticas públicas portuguesas”, dando como exemplo o processo de transferência de competências para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), na sequência da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
“Para nós não basta extinguir-se entidades. Têm que se resolver os problemas de raiz e temos imensas questões, como por exemplo, se a AIMA terá de facto a capacidade para responder aos processos que herda do SEF”, apontou a responsável.
Frisou que neste momento, o JRS ainda não consegue aferir se a situação piorou ou não, uma vez que ainda se está a passar por “uma fase transitória muito confusa”, em que “a própria AIMA ainda não definiu a maioria dos procedimentos”.
Segundo Carmo Belford, existe “um enorme desconhecimento em relação ao futuro, mas também uma “enorme esperança que as coisas melhorem”.
“Porque de facto pior era impossível. É bastante difícil fazer pior do que o que foi feito até hoje, mas não é nada fácil herdar as competências administrativas do SEF, especialmente com a escassez de recursos humanos que o SEF e agora AIMA têm” denunciou.
Carmo Belford defende que seja feita a “digitalização total dos processos”, simplificando ao máximo os procedimentos para que as pessoas consigam aceder aos serviços, apontando que “não faz sentido este nível de burocracia” nem a quantidade de deslocações que as pessoas fazem para regularizar a sua situação.
Deu como exemplo o caso de quem quer trazer a família para Portugal, apontando que só podem iniciar o processo depois de terem autorização de residência, o que pode demorar “um ano e meio, dois anos à espera”, para depois terem de aguardar mais seis meses por atendimento no consulado.
Além do problema burocrático, o JRS refere que falta também saber como é que vai ser assegurado o papel de mediação e facilitação do processo de integração que anteriormente estava nas mãos do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), uma vez que a AIMA fica simultaneamente com as responsabilidades de regularizar e decidir o afastamento.
A transferência das funções policiais para a PSP e a GNR também levanta questões, com o JRS a entender que “existe uma dimensão de risco, ainda que involuntário, de criminalização das migrações irregulares”, e que a questão da detenção deveria merecer maior atenção por parte dos decisores políticos, com o organismo a defender que as pessoas migrantes “têm direito a ser tratadas com dignidade”.
Carmo Belford defendeu ainda que a Lei do Asilo seja mudada no sentido de incluir mais instituições além do Conselho Português para os Refugiados, como acontece atualmente, repensando o modelo de acolhimento.