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Peça “Luta Armada” recorda que “discursos violentos e de ódio” voltaram à política

Data de publicação
04 Abril 2024
15:44

A nova criação teatral da companhia Hotel Europa, “Luta Armada”, estreia-se hoje, recordando que a polarização dos discursos “violentos e de ódio” dos grupos que recorreram à violência antes e pós-25 de Abril voltaram “às bocas dos partidos políticos”.

“Luta armada” é a mais recente criação do ator e encenador André Amálio, com Tereza Halichková, que se estreia hoje, no espaço da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, em Lisboa, e resulta de investigação da companhia sobre o passado recente de Portugal, sobretudo entre 1967 e 1987, em que são analisados os projetos políticos com recurso à violência nas ações de luta.

Antes do início da peça, o público é revistado à entrada, lembrando os tempos da ditadura do Estado Novo.

A peça aborda nomes e movimentos que vão da Ação Revolucionária Armada (ARA), braço armado do Partido Comunista Português, de Hermínio da Palma Inácio, fundador da Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR), ou de Otelo Saraiva de Carvalho, a grupos violentos de direita, desde o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), o Exército de Libertação de Portugal (ELP), às Frentes de Libertação dos Açores (FLA) e do Arquipélago da Madeira (FLAMA), entre muitos outros.

Considerando-se um “filho da revolução”, que se não fosse o 25 de Abril “não estaria a fazer este espetáculo”, André Amálio disse ser neto paterno de um avô que, nos anos 1950, teve um problema de saúde “relativamente simples, mas que na altura foi “suficiente” para a família do pai se endividar “para pagar essa conta com imensa dificuldade”.

Do lado materno, o ator e encenador nascido em 1977 lembrou que a “tia mais velha não sabe ler nem escrever” e que a mãe, “para ter um pouco de escolaridade” e escapar à pobreza da aldeia onde morava, foi “forçada a ir para as freiras”, onde estudou “até ao quinto ano [atual 9º ano]”.

Parte da família materna foi forçada a emigrar para França, na “grande leva dos anos 1960”, e outra parte foi viver para Lisboa, para um bairro de lata na zona da Ajuda, onde a mãe viveu quando saiu das freiras e onde ficaram até ao 25 de Abril.

Cinquenta anos passados sobre o 25 de Abril, “ninguém da família vive em nenhum bairro de lata”. São “assim todos super-classe média”. Mas os bairros de lata continuam a existir, indicou, exemplificando com os dois situados junto ao local onde foi criada e ensaiada “Luta armada” ou outro perto do local onde habita.

“Continuamos a não ser capazes de contar a nossa história colonial de uma forma inteira. Precisamos ainda de fingir que não fizemos coisas que fizemos e não somos capazes ainda de escrever nos nossos livros de história, nos livros que ensinamos às nossas crianças na escola, os nomes das pessoas que sofreram e foram torturadas para que pudéssemos estar aqui hoje a fazer este espectáculo. De muitas maneiras, o 25 de Abril continua ainda por cumprir”, declarou o encenador à imprensa, no final de um ensaio, repetindo o texto que introduz o espetáculo.

Sobre as histórias contadas no início da peça, afirmou serem histórias reais dos atores que interpretam e que todos reuniram para responder a duas questões simples: “Como que seria a nossa vida se o 25 de Abril nunca tivesse existido? E o que é que ainda falta fazer, 50 anos depois do 25 de Abril?”

Histórias que motivaram a construção do espetáculo por se estar “neste momento a viver um período político onde há uma polarização gigante, onde o discurso político voltou a ter um discurso de ódio, discursos violentos e onde a polarização entre esquerda e direita é muito forte”, que o remete para os tempos do Processo Revolucionário em Curso (PREC).

Com vontade de descobrir o que ocorreu nesse período, construiu uma peça que percorre perto de 20 anos da história portuguesa recente, da primeira ação da LUAR, em 1967, até ao fim das FP-25 em 1987.

“Um período muito importante para o Portugal de hoje” está ainda por conhecer, porque se continua “ainda a mitificar muito da história, a dizer que o 25 de Abril foi uma coisa muito pacífica, onde não existiram quaisquer vítimas”. E as histórias e as ações que contam e relatam na peça “comprovam exatamente o contrário”, frisou.

“Agora, este tipo de discurso que nós ouvíamos das pessoas da extrema-direita, da rede bombista, está outra vez nas bocas de partidos políticos, estes discursos políticos que nós ouvíamos durante o período da ditadura fascista, está outra vez a ser a ser expresso”, enfatizou, reconhecendo que, embora o nome do deputado do Chega, e agora vice-presidente da Assembleia da República, Diogo Pacheco de Amorim, antigo dirigente do MDLP, não tenha sido incluído na peça, ainda pode vir a ser mencionado.

A provar afirmação de André Amálio está um homem de Moçambique a viver em Portugal, que na peça sublinha que esse tipo de discurso racista, “uma coisa muito grave que está a acontecer hoje na nossa sociedade”, leva ao homicídio de pessoas, como foi o caso do ator Bruno Candé.

“Luta armada” faz ainda referências ao papel dos movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Para André Amálio, foram “movimentos que trouxeram o 25 de Abril”.

A interpretar a peça, integrada no ciclo “Abril Abriu”, comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril, estão ainda Mara Nunes, Mariana Sardinha, Maurícia Barreira-Neves, Mblango e Paulo Quedas.

Produzida pela Hotel Europa, com o Teatro Nacional D. Maria II, o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica e Teatro Académico Gil Vicente, a peça tem cenografia e figurinos de Ana Paula Rocha, desenho de luz e direção técnica Pedro Guimarães, e criação musical de Edison Otero.

Em Lisboa, está em cena de quinta a domingo, às 19:00, até dia 14. Em 20 de setembro é representada no Teatro Cine de Pombal e, em 11 de outubro, no Centro Cultural de Paredes de Coura.

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