A moção apresentada pelo Chega foi o tiro de partida para uma corrida que não se sabe como vai terminar. Mas é um facto que a maioria dos partidos se colocou ao lado dos prevaricadores, sem pensar nas consequências e no seu significado para o destino e futuro dos madeirenses.
Isso incluiu o PS local, agora todo unha e muita carne com o Chega, atraído pela putativa queda do Governo. Com esse pressuposto, o PS desdobrou-se rapidamente naquilo em que é bastante bom: correr atrás do prejuízo enquanto funciona em horário alternativo. E, uma vez mais, não está a falhar.
Em rigor, tudo isto cai na cabeça do líder socialista quando opta por entrar como convidado em um navio onde não manda, em vez de ter a hombridade necessária para construir a sua própria moção. Porquê? Porque ir no navio de outros implica seguir as regras dos outros, não as nossas, como a norma que diz que quem chegou primeiro com a moção, tem a vantagem superior que é ver os restantes a aceitar a integralidade do texto proposto. O extraordinário é que o texto que o líder socialista apoia, censura o próprio PS, quiçá um modo estranho de expiação pecaminosa e de revelação de arcabouço que suporta tudo, até a humilhação pública. Não é a primeira vez, não será, provavelmente, a última.
Mas se o leitor está confuso com as novas alianças de cordel, e com os contorcionismos para aguentar o peso da irresponsabilidade, e eu confesso que também estou, aguarde que a coisa melhora. A moda agora são casamentos de horas e não têm de ser a dois.
Com a entrada da moção do Chega, a Conferência de Representantes da Assembleia fez uma reunião para tratar da data da discussão da mesma. O PSD, com sentido de responsabilidade, e apercebendo-se de um problema de dimensão maior, propôs que o documento fosse debatido após o Orçamento para que o risco de ficar sem Orçamento fosse minimizado. Isto significava adiar a moção um mês, uma disposição que foi colocada de forma inequívoca pelo líder parlamentar do PSD, que sugeriu dar algumas horas para considerar o proposto (para tentar eliminar potenciais dúvidas) e, sendo necessário, recorrer ao plenário, se houvesse necessidade. Clarinho como água.
Feito um compasso de espera, nenhum dos presentes, repito, nenhum dos presentes, quis adiar a votação, que avançou. A questão era então simples: censura depois do orçamento, sim ou não? Em rigor, por esta ordem, nenhum dos documentos se anula. Se fosse o contrário, a coisa seria diferente, pormenor que não escapou a ninguém.
Num laivo de luz, a maioria dos partidos relevou os interesses dos madeirenses e deliberou em consciência, sem nenhum mas. PSD, PS, CDS e PAN votaram a favor do adiamento. JPP absteve-se (com aquele argumento mágico de ter de consultar a assembleia do condomínio). Chega votou contra, por razões evidentes. O IL não votou porque não estava presente. Questão arrumada? Era bom.
Dois dias depois, o presidente da Assembleia decidiu recorrer ao plenário para tomar uma decisão sobre o adiamento da moção de censura. Para tal, entregou um parecer emitido pela sua assessora jurídica, que reconhecia a decisão que fosse tomada pelo plenário, o que resolvia eventuais dúvidas anteriores. Nova votação, portanto. Nada de assombroso, se todos conservassem a coerência. Mas, as peças voltaram a mudar, sinal de que há alguns que para além de não saberem o que querem, não fazem a mais pálida ideia do que fazem.
Sem golpes de cintura, o PSD e o Chega mantêm as posições anteriores: a favor (PSD) e contra (Chega). Mas os restantes, mudam de orientação: o PS de favorável para abstenção; o JPP de abstenção para voto contra; o PAN de favorável para voto contra; o CDS, com estranheza, divide-se ao meio – metade mantém a posição anterior, a outra metade muda para abstenção. O IL vota contra, mas não tinha estado dois dias antes. A proposta passou com 20 votos a favor, 15 votos contra e 12 abstenções, num total de 47 deputados mais um parecer jurídico.
Dois dias antes, o resultado proporcional (tirando o IL que não estava) havia sido, sem parecer a acompanhar, de 33 votos a favor, 9 abstenções e 4 votos contra. Em 48 horas, alguns mudaram o sentido de voto não para enterrar o que havia sido decidido na Conferência de Representantes, mas por medo, calculismo e/ou leviandade. À mesa foram uma coisa, sob os holofotes outra, e bem diferente.
A conta maior tem de ser assacada ao PS, uma barata tonta, que agora diz não viabilizar o Orçamento, apesar de ter aceitado o debate antes da moção. Já o JPP, mais inteligente, é mestre na táctica da falta de comparência e do não comprometimento. E corre bem porque o hospedeiro (o PS), vai engordando o parasita (o JPP), feliz e contente. Perante o folhetim, a evidência: triste daquele que tem um lobo a guardar-lhe as ovelhas.