Há uma curiosa expressão do povo que se aplica ao que se descreve a seguir.
Diz o povo, timidamente, para ensaiar uma metáfora estrambólica: “Mal comparado...”
Ora, “mal comparado”, a crise política que a Madeira vem vivendo há largos meses parece uma daquelas discussões familiares onde os dois elementos do casal têm razões para a separação. Discutem, discutem, discutem. E cada um deles garante que tem razão.
Muitas vezes, os dois têm razão. E os dois são culpados.
Muitas vezes – novamente “mal comparado” – quem perde são os familiares mais próximos de um e do outro. São os filhos, os irmãos, os pais. Perdem todos.
O espetáculo que nos tem sido dado pelos principais atores políticos regionais é o de uma briga prolongada. Tanto brigam, que não é difícil encontrar razões de ambos os lados.
O Governo tem razões para se achar travado e bloqueado por partidos que tiveram menos votos do que o partido que o suporta.
A Oposição tem razões para se achar capaz de deitar abaixo um Governo formado por um partido minoritário e altamente fragilizado.
Os dois lados têm razão, política e legal. Mas impõe-se uma pergunta: não será a Madeira mais importante do que esses interesses? E onde ficam os madeirenses?
Pelo que se tem visto, os interesses dos madeirenses são relegados para segundo lugar. E devia ser exatamente o contrário.
A assistir a este jogo de interesses com base nos principais partidos, estão os cidadãos.
Desligados, desiludidos, desinteressados da política, acabam por se sentir esmagados, ou mesmo enganados, entre dois blocos. Cada um deles sente-se dono da verdade, cada um deles diz-se mais sério do que o outro, cada um deles com mais capacidades do que o outro.
No entanto, nenhum desses dois lados em que se entrincheirou a política madeirense dá sinais de querer sair do pântano.
Percebemos agora que vivemos uma situação nova. Foi quase preciso esperar pelos 50 anos do 25 de Abril para se perceber claramente que, em política, todos têm poderes. Uns grandes, outros pequenos poderes. Mas uns e outros podem mudar tudo de um dia para outro.
Governo que atua sem maioria tem de contar com o poder da Oposição, como agora se vê.
E as oposições, quando em maioria, têm de perceber o poder que lhes foi confiado.
Os cidadãos, ao longo dos últimos meses já o perceberam. Dentro de semanas vamos saber se Poder e Oposição também entendem o poder que têm e se o vão usar com responsabilidade e tendo presente, em primeiro lugar, o interesse da Região.
A Madeira, como qualquer democracia, dispensa a instabilidade fútil ditada por qualquer vingança ou espírito de (a)ventura.
Enquanto ninguém se entende, vivemos esta instabilidade que nos puxa para trás. E o povo, que se cansa da peça em cena, é relegado para um papel secundário.
O jogo prossegue assim há largos meses. Tal como num tabuleiro de xadrez, trocam-se as peças. Movem-se Cavalos, Damas, Bispos, Reis e até Torres. Só não se mexe nos Peões. Os Peões são o povo. Os Peões podem esperar, dizem os jogadores. E os Peões esperam.
Comparar um eloquente e estratégico jogo de xadrez com os jogos de cintura da política regional afigura-se agora um exagero, quase um sacrilégio. No xadrez há pensamento, há regras, há coerência. No jogo político que nos dão a ver não há nada disso.
O povo, mais uma vez, tem razão: “Mal comparado”.