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Artigo de Opinião

Antropóloga / Investigadora

26/04/2024 08:00

Ontem comemorou-se os 50 anos de Abril: o dia da Liberdade.

A data do 25 de Abril de 1974 ficou na história. Vários são os motivos: primeiro marcou um momento emblemático em Portugal, resultante do movimento social e político que derrubou o regime ditatorial do Estado Novo de cinquenta anos; segundo por ser uma revolução progressista e democrática conduzida por militares; e, por fim, por ainda por ter sido uma revolução sem derramamento de sangue.

Não podemos esquecer ainda essa coisa maravilhosa e poética que foram os cravos no cano das armas e o imenso apoio do povo português aos militares revolucionários, numa festa difícil de descrever. Numa terra onde o povo tinha vergonha de viver, num lugar triste, pobre, reprimido e ocupado por uma ditadura feia e negra, descobriram o inesperado: o orgulho de ser português num país onde a esperança era o futuro, e onde a ideologia de ideias, a democracia, a poesia, a música e a arte ocupavam as ruas!

Para alguns, este dia é um dia simples, sendo apenas um feriado. Para outros, é um dia inesquecível. E para “alguém” especial, este foi o melhor dia da sua vida. Esse “alguém” viveu com intensidade o 25 de Abril. Estava lá, nas ruas, a cantar, a abraçar gente que nem sabia quem era, a descobrir o sabor maravilhoso dessa coisa que se chama de liberdade. Esse “alguém” foi um dos que gritou nas ruas «O povo unido jamais será vencido!». Esse “alguém” sabia o significado desta revolução. Esse “alguém” fazia questão de colocar um cravo ao peito, todos os anos, em homenagem a este dia.

Para esse “alguém”, este dia teve um duplo significado: por um lado, a liberdade; por outro, o primeiro passo para se alcançar a autonomia da Madeira e do Porto Santo.

Há uns dias atrás, visitei esse “alguém”, numa fase muito complicada. Mal falava ou reagia, mas ouvia tudo com a máxima atenção. Olhava, atentamente e sorria. Observava cada familiar e ouvia as histórias, com aquele olhar profundo de querer perdurar o momento. Aquele olhar dizia tudo.

A dada altura, falei dos 50 anos do 25 de Abril e das comemorações que se iam fazer em Lisboa e no Funchal nesse dia. Naquele momento, esse “alguém” fez um sorriso rasgado. Notava a alegria que ia no seu coração. E quando surgiu a pergunta “Quem foi Salgueiro Maia?”, inesperadamente, esse “alguém” respondeu com todo o esforço que conseguia: “Foi um oficial!” Foram as únicas palavras que ouvi dele nesta minha última visita.

De facto, esse “alguém” defendia os ideais e os valores de Abril. Infelizmente, esse “alguém” não conseguiu chegar a este dia tão bonito.

Duas semanas depois, faleceu. Tanto ficou por dizer ou por fazer... e não há palavras para descrever este sentimento. Ficam apenas as recordações e as memórias de “alguém” muito especial.

No dia do velório, no meio dos meus pensamentos e devaneios, vejo um grupo de indivíduos, os camaradas, mas sobretudo os amigos a chegar à capela. UNIDOS com um ramo de 50 cravos, para oferecer a esse “alguém” que tanto defendia os ideais de Abril. Este pequeno gesto e esta imagem, encheu-me o coração. Por vezes, pequenos gestos fazem a diferença. O facto destes camaradas se juntarem, com aquele espírito de companheirismo, e de entregarem, juntos, os cravos para homenagear este “alguém” simboliza muito!

Para esse “alguém”, digo: Até um dia... avô Rui!

“O Homem é, de facto, ele, os seus genes, as suas virtualidades e tendências; mas é, sobretudo, as suas circunstâncias e as suas contradições.” (RN)

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