Nunca mais soube. A minha mão entra na terra para a espera profunda do teu corpo. A minha clavícula ergue-se para uma boca que nasce dentro da minha cabeça, o único lugar onde ainda desejo, mas onde não encontro já os nossos corpos.
Como hei-de agora saber, depois de tanto tempo sem o ardor da árvore, sem a mulher deitada sobre o seu manto de incalculáveis monstros e flores tardias.
Mesmo que a escuridão se acenda no meio da luz, um corpo, quando se perde, é quase para sempre, e desse definitivo é inevitável que cresçam sementes e metades e outras mortes diminuídas, esperanças muito loucas onde não nos imaginávamos. Intensidades à tona do corpo que jaz, como uma esponja em forma de casa, um peixe encarnado mulher. E então a casa arrasta todos os erros, talvez acabe por poupar os mais implacáveis, aqueles que o silêncio escreveu por cima do amor e da pele do animal eterno. Um coração em forma de mato, um Domingo inteiro para a mãe beijada pelo último quarto; a sua frescura de fogo galgando as lágrimas do filho. A mãe destruída que destrói, mesmo se o deserto é a casa, mesmo se as suas mãos cortam o vento e o tempo.
Como encontrar um corpo, um leve escombro que não desce pela macia garganta da terra? Por que lado virá o mar inundar as minhas mãos até ao fim, em que estação, em que outro corpo? Hei-de escrever, mas quanto mais escrevo, maior se torna a minha mão diante de todo o silêncio. E assim será, até que não caiba mais no meu corpo, até que deixe de ser e pertencer-lhe, porque o corpo há-de sempre vencer a palavra se a mão obedecer devidamente à cabeça, à sua maquinação de ternura e exaspero, à solidão desse corpo que não sabe, que se não sabe senão na suposição do que poderia ter sido o incomensurável sal de uma única maré batendo os olhos antes que a mãe se esgotasse e dela pendesse a porta entreaberta da casa para a apresentação do corpo, para o inaudível grito, para todas as suas vidas e mortes ininterruptas. Um corpo corrompe sem precedentes, não sobrevive nunca à desatenção, e deriva daí a sua beleza mais violenta, esse vazio sepultado pelo seu vapor tão rápido. É sempre subterrâneo um corpo, ainda que se lhe invente uma superfície e se lhe forje um respirar, um calor onde dormir enquanto se não morre.