A associação Coração Silenciado, que reúne vítimas de abuso sexual na Igreja Católica, condena a postura da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sobre a eventual atribuição de indemnizações, salientando que é preciso “passar das palavras aos atos”.
Em declarações à Lusa na sequência da divulgação do relatório dos primeiros seis meses de atividade do Grupo VITA, que aponta para a existência de quatro pedidos de indemnização, Cristina Amaral, uma das líderes da associação, defende que a Igreja tem de falar “a uma só voz” sobre esta matéria e não remeter para aspetos jurídicos a definir no futuro, visando, em particular, o presidente da CEP, o bispo José Ornelas.
“Já nos habituou a ir prevaricando e a fazer muito pouco quando se fala em indemnizações. É uma pena que a Igreja não se una e não falem todos a uma só voz. Há vários bispos que são completamente a favor, há outros que não, e isto é inacreditável... Até parece que somos uma Igreja gigante como a dos Estados Unidos da América. Nota-se que [José] Ornelas é completamente avesso às indemnizações”, disse a responsável da associação.
Assumindo ser uma das vítimas que manifestou vontade de ser indemnizada, Cristina Amaral lamentou que o processo seja pouco humanizado e até dissuasor para as vítimas, lamentando também que a CEP apenas vá receber a associação em janeiro, quase um ano depois da apresentação, em fevereiro deste ano, do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
“Ainda não tivemos resposta [aos pedidos de indemnização]. Ainda está em estudo, é o que nos dizem. Efetivamente, pedir indemnizações é um assunto muito pouco falado e pouco esclarecedor... Fiz o processo, sou uma das vítimas visadas, e os processos não estão concluídos. Há ainda mais pessoas, mas está tudo feito para dificultar as coisas”, afirmou.
Para a responsável da Coração Silenciado, a argumentação da CEP de que as eventuais indemnizações têm de ser vistas juridicamente caso a caso “é uma fuga” à questão e que coloca todo o peso sobre as vítimas, lembrando que muitas só assumem o abuso décadas depois e, por vezes, à revelia das suas próprias famílias.
“Enquanto vítimas ouvimos muita coisa, mas não vimos nada que nos leve a acreditar que chegaremos a essa questão muito em breve. Faltam ações. Há um ‘jogo de empurra’”, referiu, concluindo: “Não sei a quem interessa este jogo, não é às vítimas. É um empurrar de responsabilidade para a vítima. Tudo isto é ganhar tempo, quem sabe, para ver se morremos e se nos calamos”.
Na terça-feira, o bispo José Ornelas, sublinhou que as indemnizações, em termos formais, são uma matéria jurídica cujo pagamento teria de ser enquadrado naquilo que está previsto na lei, desde que cumpridos os critérios para o efeito.
José Ornelas sublinhou ainda que a Igreja Católica está disponível “para ir além” do ponto de vista estritamente legal, e que espera pelo trabalho do Grupo VITA e da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas para estabelecer critérios para pagamentos, que terão de ser sempre considerados individualmente, face à realidade de cada vítima.