Têm cinco séculos de história e são um exemplo único no país, merecendo o destaque esta semana na rubrica ‘Antes e Depois’. Com o projeto de conservação e restauro, que lhes devolveu a luz, os tetos mudéjares da Catedral do Funchal deixaram de ser património esquecido, transformando-se num motivo maior para olhar para o céu.
Foi há 530 anos que teve início a construção da Sé do Funchal, uma obra concluída em 1517, sendo sagrada a 18 de outubro desse ano. Entre os seus múltiplos recantos cheios de histórias que atravessam os últimos cinco séculos, destacam-se nas suas principais caraterísticas construtivas e decorativas os tetos das naves e transeptos, em estilo Mudéjar, que nenhum outro património português iguala.
Caraterísticas e origem
Os tetos mudéjares (ou de alfarge) representam uma tradição ibérica, que combina e reinterpreta estilos timicamente cristãos, como o gótico e o renascentista, com a arte islâmica. Edificados em madeira de cedro local, a decoração foi projetada com recurso a pinturas em tons de vermelho, castanho, azul, branco e dourado, “predominando as composições vegetalistas, as albarradas ou ânforas e os grutescos”, descreve o portal oficial Cultura Madeira. Nos frisos, sobressaem também “os grifos, o escudo, a cruz de Cristo e esferas armilares, estes dois últimos símbolos da heráldica de D. Manuel I”, que quis levar para a Sé do Funchal a inspiração que ganhou ao contemplar os tetos do sul de Espanha.
Ora, com a vida a acontecer e com a Sé do Funchal a ser casa de múltiplos marcos históricos, o teto da catedral não escapou imune num universo em que o tempo não dá tréguas, acabando por apresentar mudanças de cor, tanto “devido a sujidades acumuladas e aplicações de camadas de vernizes e óleos sobre as superfícies”, como também à “gordura e fumos de ceras das velas queimadas ao longo de anos”.
Circunstâncias naturais agravadas com ocorrência de entrada de água pelas coberturas e consequente humidade acumulada, que apesar de ter sido uma questão sanada numa empreitada realizada em 2007, acabou por causar “graves problemas”.
Assim, em maio de 2019, foi aprovado o projeto ‘Conservação e Restauro dos tetos Mudéjares da Sé do Funchal’, uma obra orçada em mais de um milhão de euros, cofinanciada pela União Europeia, que adotou uma política de “intervenção mínima, respeito integral pelos materiais originais e utilização de materiais compatíveis com os que compõem o original”, com o desígnio de “restituir toda a beleza e cor do único teto mudéjar a nível nacional, e dos poucos a nível europeu, com esta dimensão e complexidade”. A intervenção envolveu 36 profissionais de várias nacionalidades e áreas (conservadores-restauradores, carpinteiros, entre outros), tendo abrangido uma área de 1.500 metros quadrados de teto mudéjar.
Projeto duplamente premiado
Terminada a intervenção neste imóvel, que decorreu entre 2019 e 2021, o retorno tem vindo a chegar com a distinção, a nível nacional e internacional, desta obra de restauro no edifício que se encontra classificado como Monumento Nacional. Em 2022, o projeto venceu o galardão Gulbenkian Património - Maria Tereza e Vasco Vilalva, pela “exemplaridade da intervenção”, que “prolonga a arte mudéjar no tempo”, tendo sido atribuído um prémio monetário de 50 mil euros, canalizados para outras obras de restauro necessárias.
Mais recentemente, em junho deste ano, esta empreitada foi uma das distinguidas nos Prémios Europeus do Património Cultural - Europa Nostra 2023. “O restauro destes raros tetos de estilo mudéjar, com 1.500 m2, foi realizado com base nas melhores práticas de conservação da madeira e envolveu uma equipa interdisciplinar de profissionais de topo de várias nacionalidades”, destacou a Comissão Europeia e a Europa Nostra.
O futuro é do restauro
Recentemente, no descerramento da placa de bronze atribuída na sequência da distinção de âmbito europeu, ficou vincado o facto de estarmos perante um modelo a seguir no que diz respeito a futuros projetos de restauração a acontecer não só a nível local, mas por todo o país. Em âmbito regional, esta é uma política que irá continuar, conforme garantiu o líder do Executivo madeirense, Miguel Albuquerque, na ocasião. Importa lembrar, como disso fez questão Francisco Clode de Sousa, diretor de Serviços do Património Cultural, que os trabalhos realizados na Sé do Funchal “não começaram agora”, tendo sido feitos “grandes esforços” ao longo dos últimos anos para que o restauro se efetivasse, mesmo que no meio de uma pandemia, e fosse agora possível contemplar a catedral em todo o seu “esplendor”.