As novas regras europeias para o défice e dívida pública entram em vigor na terça-feira, tendo como objetivo garantir a recuperação das finanças públicas e investimento.
As regras orçamentais da União Europeia (UE) foram suspensas na sequência da pandemia da covid-19, para permitir aos Estados-membros fazer face à crise, tendo-se registado então um consenso quanto à necessidade de rever e atualizar a legislação sobre a governação económica antes de ser retomado o Pacto de Estabilidade e Crescimento, originalmente criado no final da década de 1990.
Está prevista a diminuição do rácio da dívida de, pelo menos, um ponto percentual ao ano para os países com um rácio da dívida superior a 90% do PIB (como é o caso de Portugal) e de meio ponto percentual para os que estão entre este teto e o patamar de 60% do PIB.
Cada Estado-membro passa a preparar um plano nacional de médio prazo, que a Comissão Europeia avaliará, definindo um período de pelo menos quatro anos para que a dívida seja colocada numa trajetória descendente, com este prazo a poder ser de sete anos perante reformas e investimentos (como os incluídos nos Planos de Recuperação e Resiliência).
Será introduzido um teto anual de gastos públicos para desvio máximo.
O que é o quadro de governação económica da União Europeia?
O quadro de governação económica tem como objetivo “detetar e corrigir desequilíbrios económicos” que possam enfraquecer as economias nacionais ou afetar outros países da UE, através das suas repercussões. Assenta em três pilares fundamentais:
- O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que fixa valores de referência para o défice orçamental (3% do PIB) e para os níveis da dívida pública (60% do PIB) dos Estados-membros.
- O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que define regras para o acompanhamento e a coordenação das políticas orçamentais e económicas nacionais, contendo regras preventivas e corretivas.
- Os regulamentos “pacote de seis” e “pacote de dois”, que pretendem reforçar a supervisão orçamental e introduzem o procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos que surjam fora do âmbito das políticas orçamentais.
Quais são os principais objetivos do novo quadro de governação?
O novo quadro pretende reduzir os rácios da dívida e os défices “de forma gradual e realista”, salvaguardar as reformas e os investimentos em domínios estratégicos, “proporcionar uma margem adequada para políticas anticíclicas”, corrigir os desequilíbrios macroeconómicos e “alcançar objetivos estratégicos comuns de médio e longo prazo”, segundo o Conselho da UE.
O que muda nas novas regras face às anteriores?
Com a reforma, ‘caem’ os Programas Nacionais de Reformas e de Estabilidade, que os Estados-membros enviavam durante o mês de abril à Comissão Europeia, sendo substituídos pelos planos orçamentais-estruturais nacionais de médio prazo.
Paralelamente, a sustentabilidade da dívida pública passa a ser um elemento central, com o objetivo que se fixe abaixo de 60 % a médio prazo, mantendo simultaneamente o défice orçamental abaixo dos 3% do PIB, e passa a existir um “regime de execução reforçado”, para garantir que os Estados-membros cumprem os compromissos assumidos nos seus planos.
O que são os planos orçamentais-estruturais nacionais de médio prazo?
O objetivo destes programas é a adoção de uma abordagem diferenciada em relação a cada Estado-membro. Na prática, a Bruxelas passa a ter em conta a heterogeneidade das situações orçamentais, da dívida pública e dos desafios económicos dos diversos países.
Assim, estes planos irão ter objetivos orçamentais nacionais, medidas para corrigir os desequilíbrios macroeconómicos e reformas e investimentos prioritários ao longo de um período de quatro ou cinco anos.
Cada Estado-membro terá de desenhar um plano orçamental estrutural de médio prazo, até 20 de setembro de 2024, que inclua os seus compromissos em matéria orçamental, de reformas e de investimento.
O que é que cada país faz com recomendação?
Os países deverão incorporar nos planos orçamentais estruturais nacionais de médio prazo a sua trajetória de ajustamento orçamental, tendo como base a trajetória de referência ou em informações técnicas. Após a apresentação, a Comissão Europeia faz uma avaliação e recomendação dos planos, que servirá de base à adoção pelo Conselho de uma recomendação que determine a trajetória das despesas líquidas de cada Estado-membro como indicador único.
O que é o indicador de despesas líquidas?
O indicador operacional único, baseado na sustentabilidade da dívida, servirá de base para definir a trajetória das despesas líquidas e realizar uma supervisão orçamental anual para cada Estado-membro.
Terá por base as despesas primárias líquidas financiadas a nível nacional, ou seja, as despesas excluindo as medidas discricionárias do lado das receitas, as despesas com juros, as despesas cíclicas com o desemprego, as despesas nacionais com o cofinanciamento de programas financiados pela UE e as despesas com programas da UE inteiramente cobertas por receitas provenientes de fundos da UE, detalha a informação da Comissão.
Este indicador não será afetado por estabilizadores automáticos, incluindo flutuações das receitas e das despesas fora do controlo direto do governo.
O que acontece no caso de um plano não cumprir os requisitos?
O Conselho deverá recomendar ao Estado-membro que apresente um plano revisto. A Comissão Europeia irá utilizar uma conta de controlo “para acompanhar os desvios cumulativos, ascendentes e descendentes, dos Estados-membros em relação às respetivas trajetórias de despesas líquidas acordadas”.
Como é que funciona a recomendação da trajetória de referência para cada país?
A Comissão irá indicar uma trajetória de referência baseada no risco e diferenciada, expressa em termos de despesas líquidas plurianuais, aos Estados-membros que apresentem uma dívida pública e um défice orçamental que excedam os valores de referência de 60% e 3% do PIB, respetivamente, explica Bruxelas.
O objetivo é que esta trajetória assegure que, no período de ajustamento orçamental de quatro anos, a dívida pública “diminua razoavelmente ou se mantenha em níveis prudentes, ou seja, abaixo de 60% a médio prazo”, enquanto se assegura que o défice orçamental seja reduzido e mantido abaixo dos 3% do PIB a médio prazo.
Paralelamente, poderão ser aceites trajetórias de ajustamento mais longas. Nestes casos, os Estados-membros podem pedir uma prorrogação do período de ajustamento orçamental, por um período máximo de sete anos, se realizarem determinadas reformas e investimentos que melhorem o potencial de crescimento e apoiem, por exemplo, a sustentabilidade orçamental.
A vertente corretiva continua assim a existir?
Sim, mas o procedimento relativo aos défices excessivos com base no critério da dívida centrar-se-á em desvios em relação à trajetória das despesas líquidas. Assim, irá considerar-se que a relação entre a dívida pública e o PIB está a diminuir suficientemente e a aproximar-se do valor de referência a um ritmo satisfatório se o Estado-membro em causa respeitar a sua trajetória das despesas líquidas.
No entanto, a Comissão poderá considerar iniciar o procedimento relativo aos défices excessivos com base no critério da dívida se os desvios registados na conta de controlo do Estado-membro excederem 0,3% do PIB anualmente ou 0,6 % do PIB cumulativamente.
Serão depois ponderados vários fatores, incluindo “a gravidade da situação da dívida pública, a dimensão do desvio, os progressos na execução de reformas e investimentos e, se for caso disso, o aumento das despesas com a defesa”.
O Conselho manteve as regras do procedimento relativo aos défices excessivos com base no critério do défice, que exige um ajustamento estrutural anual mínimo de 0,5% do PIB. No caso de incumprimento, as multas poderão ascender a 0,05% do PIB e acumuladas semestralmente até serem tomadas medidas corretivas.
A Comissão Europeia adiantou que temporariamente “poderá, em 2025, 2026 e 2027, ter em conta o aumento dos pagamentos de juros ao definir a trajetória corretiva proposta no âmbito do procedimento por défice excessivo”.
Existem salvaguardas?
A trajetória de referência respeitará a salvaguarda relativa à sustentabilidade da dívida e a salvaguarda relativa à resiliência ao défice, de acordo com a informação do Conselho.
Nas novas regras, a salvaguarda relativa à sustentabilidade da dívida assegurará que o rácio da dívida pública diminua segundo uma média anual mínima de 1% do PIB, desde que o rácio da dívida do Estado-membro exceda 90%.
Para os países em que o rácio se mantém entre 60% e 90%, a média é de 0,5% do PIB. Esta salvaguarda não se aplica aos países cujo rácio da dívida seja inferior a 60%.
Já a salvaguarda relativa à resiliência ao défice “proporciona uma margem de segurança abaixo do valor de referência de 3% do défice previsto no Tratado” e tem como finalidade preparar os orçamentos nacionais para o futuro através da “criação de reservas orçamentais”.