A Ordem dos Advogados (OA) afirmou hoje “elevada preocupação” com as diárias violações dos direitos humanos dos reclusos nas cadeias portuguesas, expressas num relatório internacional.
Esta posição da OA e da sua Comissão dos Direitos Humanos surge, numa nota enviada à agência Lusa, na sequência do Relatório Mundial sobre Direitos Humanos de 2022 da Human Rights Watch, no qual Portugal foi destacado pelas más condições prisionais, pela superlotação e pela falta de fornecimento de cuidados de saúde adequados aos reclusos e às reclusas.
A Ordem, que já expressou anteriormente idêntica posição, refere igualmente o Relatório Anual da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) de 2023, segundo o qual cerca de 70% das prisões portuguesas apresentam condições inadequadas de infraestrutura, o que dificulta a manutenção de um ambiente humano e seguro para os reclusos.
Recentemente, sublinha a ordem, em visita ao Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, a bastonária dos advogados constatou que existe uma camarata comum com 37 pessoas (espaço onde já chegaram a estar 60), funcionando, num outro piso, também uma camarata com quatro mulheres, que ficam confinadas a esse espaço durante 22 horas por dia, devido ao perigo de conviverem em espaços comuns com os restantes reclusos homens.
A OA afirma, no documento enviado hoje à tarde à Lusa, que, na altura, a diretora da cadeia de Ponta Delgada informou que num ano e meio aconteceram 21 incidentes naquela camarata.
Para a ordem, acresce que, no seu último relatório, o Mecanismo Nacional de Prevenção de Tortura (MNP) afirma de forma expressa que “é reiteradamente ignorada por parte do pessoal médico prisional a sua obrigação de denúncia e sinalização de evidências de maus-tratos a reclusos ou reclusas, o que é revelador do estado de total vulnerabilidade a que se encontra vetada a população reclusa”.
Outra “questão importante” destacada pela OA é o “uso excessivo de medidas privativas de liberdade em vez de outras opções estipuladas por lei”, sendo que, “em resultado disso, Portugal, que segundo o Índice Global da Paz em 2023 era o 7.º país mais seguro do mundo e o 4.º mais seguro da Europa, tem as suas prisões superlotadas, com uma taxa de encarceramento de 128 presos por 100.000 habitantes, uma das mais altas da Europa Ocidental”.
Na posição do órgão representativo dos advogados, “entre os principais problemas está também escassez de recursos no acompanhamento das medidas de execução da pena”.
“A insuficiência de programas formais e específicos de monitoramento e acompanhamento compromete a reintegração eficaz e permanente dos/as reclusos/as na comunidade”, refere a ordem, destacando que, de acordo com dados da DGRSP, apenas 25% dos reclusos participam em programas de reinserção social.
A OA afirma que “um dos mais gritantes vazios no sistema prisional português prende-se com a falta de aconselhamento jurídico” aos reclusos durante as suas penas, “o que claramente colide com a defesa dos seus direitos, liberdades e garantias”.
“A OA defende há muito a criação de uma escala própria para prestação de consulta jurídica remota, incluída no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, sem necessidade de validação prévia da Segurança Social, que garanta de forma célere o eficaz acesso a aconselhamento jurídico à população reclusa, tendo em conta a sua situação de especial fragilidade”, lê-se no documento.
A concluir, a OA considera que “o sistema prisional português enfrenta sérias e difíceis questões que devem ser analisadas e resolvidas em conjunto, de forma holística e abrangente, sendo absolutamente essencial a presença da advocacia em todo este processo, porque só assim são cabalmente garantidos os direitos constitucionais dos reclusos”.