A Provedoria de Justiça recebeu quatro queixas sobre a atuação de juntas de freguesia que têm “uma componente essencial” relacionada com os direitos dos migrantes, disse à Lusa fonte oficial do organismo.
As queixas dizem respeito a juntas de freguesia de diferentes zonas geográficas do país e não apenas de Lisboa, adiantou a fonte da Provedoria de Justiça.
A Lusa havia questionado este organismo depois de ser conhecido que a Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa, se recusa a passar atestados de residência a imigrantes provenientes de países fora da União Europeia sem um título de residência válido em Portugal.
Em causa está um edital assinado pela presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade (eleita nas listas da coligação “Novos Tempos”, de PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança).
Com data de 09 de fevereiro, o edital comunica que a junta passou a exigir um título de autorização de residência válido (arrendamento ou compra de casa) para emitir atestados de residência a cidadãos estrangeiros extracomunitários, apesar de a lei estabelecer que para esse atestado é suficiente o testemunho de duas pessoas recenseadas na freguesia ou uma declaração de honra da pessoa que requer o documento.
Na resposta à Lusa, a Provedoria de Justiça confirma a existência de quatro queixas, mas realça que estas não se circunscrevem à questão dos atestados de residência, tendo “por base o conhecimento de práticas muito díspares”, ainda que com os direitos dos migrantes como “componente essencial”.
Perante as queixas, o organismo entendeu fazer “uma análise mais alargada relativa ao exercício das competências certificativas das Juntas de Freguesia e ao seu enquadramento legal”.
O caso dos atestados levou uma centena de pessoas a manifestar-se, a 19 de abril, em frente à Junta de Arroios, freguesia onde vivem cidadãos de dezenas de nacionalidades, muitos dos quais em situação precária.
“O atestado de residência não é só necessário no âmbito do processo de regularização frente ao Estado português: é um documento necessário para a inscrição no centro de saúde, para abrir uma conta na maioria dos bancos portugueses e para realizar a inscrição nas escolas”, assinalaram as organizações que convocaram o protesto, entre as quais a Casa do Brasil, a Habita e a SOS Racismo.
Os coletivos estão preocupados com a replicação da medida noutras paragens, mencionando que as juntas de Campanhã (Porto), Beato (Lisboa), Caparica e Laranjeiro (ambas em Almada) já “seguiram o caminho de tornar virtualmente impossível a possibilidade de regularização e bem estar da pessoa migrante”.
Já antes a atuação da Junta de Arroios tinha motivado o protesto de dezenas de médicos, enfermeiros e assistentes sociais da Unidade Local de Saúde de São José, uma das mais importantes no centro de Lisboa.
A Junta de Arroios “aumenta ainda mais as dificuldades já elevadas que esta comunidade enfrenta no quotidiano, criando barreiras desnecessárias e contrárias à universalidade no acesso a cuidados de saúde”, criticaram, considerando a medida “abusiva”.
O atestado de residência é um documento essencial para garantir as devidas comparticipações e taxas moderadoras a pessoas em situação irregular, o que inclui grupos vulneráveis como crianças e grávidas.
Nessa altura, questionada pela Lusa, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, Madalena Natividade, respondeu, por escrito, que está obrigada ao “estrito cumprimento” da lei no âmbito das suas atribuições e competências legais, o que inclui estar “impedida de emitir documentos que contenham declarações e outras decisões que não estejam em conformidade com a lei aplicável”.
Para o executivo da junta, antes de passar um atestado de residência, a autarquia “tem o dever” de “solicitar que o requerente faça prova de ser, de facto e de direito, titular de título de residência válido”.
A decisão de limitar o acesso a atestados de residência por algumas freguesias foi contestada pelo anterior Governo socialista e pelos representantes de PS, BE e CDU na freguesia de Arroios.
Questionada pela Lusa a 22 de março, a Câmara Municipal de Lisboa, gerida por Carlos Moedas, que liderou a coligação “Novos Tempos”, que também elegeu a presidente da junta de Arroios, respondeu que não tem “nenhum comentário a fazer sobre o assunto”.
Num parecer emitido em março, a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) defendeu que a emissão pelas freguesias de atestados de residência a cidadãos estrangeiros não precisa da apresentação de qualquer título de residência porque não é competência destas autarquias aferir a legalidade de permanência de imigrantes no país.