Antigamente, fazer a cama dos noivos era quase tão obrigatório como casar-se. Não havia volta a dar. Podia-se dispensar muita coisa, mas essa tradição, não. Era uma espécie de compromisso com a família, amigos, com os vizinhos e com o tempo. Não se convidava toda a gente, como hoje se convida para os batizados ou para as festas de anos. Só os mais chegados, família próxima, alguns vizinhos e amigos com quem se tinha verdadeira ligação.
Faziam-se sempre uns dias antes do casamento. Normalmente à quinta-feira, porque o casamento era quase sempre ao sábado. Os noivos, claro, só dormiam juntos depois do casamento — como mandava a regra e a vergonha do tempo. Mas a cama, essa, já ficava feita. E bem-feita. Feita à maneira antiga e armadilhada como se fosse um campo de minas, cheia de partidas e habilidades pensadas ao detalhe. Fazia-se com gosto, mas também com intenção. Era tradição — e era troça.
Durante este ritual, os noivos estavam proibidos de entrar no quarto. Havia quem cosesse os lençóis com pontos quase invisíveis, de modo que o casal, na hora certa, se visse embrulhado sem perceber como. Havia quem atasse os pijamas ou escondesse alfinetes nas bainhas.
As prendas iam chegando com quem aparecia. Panelas de pressão, conjuntos de louça, chávenas de porcelana, serviços de talheres, ofereciam a imagem do Menino Jesus, a imagem da nossa Senhora, quadros com Jesus e a nossa Senhora, copos, cobertores e, claro, dinheiro. Primeiro iam ficando num canto da casa, expostas com orgulho.
Depois da cama feita — com lençóis e colcha brancos, tudo no lugar — era tudo branco.
Enquanto uns faziam a cama e armavam partidas, outros tratavam da comida. Sempre alguém a mexer panelas, a cortar pão, a encher copos. Ninguém saía dali sem provar o pão caseiro, o bolo preto, o bolo de laranja, o bolo de noiva, ou sem beber um copo de vinho do jarro.
Havia sempre licores caseiros, garrafões de morango, ananás, “tintatum”, alinhados na mesa, ao lado das broas, da espetada e do pão casa, já fatiado e barrado com manteiga. Também não faltavam os jarros de vinho seco, tirado diretamente da pipa.
Tudo feito com tempo. Até os bolos de noiva e o pão de casa eram feitos com antecedência, para que, no dia do casamento, se oferecessem os bolos de noiva aos convidados como lembrança. Cada pessoa levava o seu pãozinho embrulhado no papel de presentes que tinham trazido.
Hoje, tudo é diferente. As tradições vão-se perdendo. Esta até tinha a sua piada. Agora há sofisticação nas despedidas de solteiro — os homens vão com os amigos, as mulheres com as amigas. As brincadeiras são mais leves: escondem-se roupas interiores, espalham-se cuecas pela casa, enche-se o quarto de balões, mete-se um soutien na gaveta da cozinha. Tudo mais decorado, mais controlado. Antigamente era mais duro.
Era com alfinetes e lençóis cosidos e partidas feitas com verdadeira intenção.
Hoje, já não se faz cama dos noivos. Já ninguém cose lençóis em segredo, nem há quem esconda alfinetes com jeito. Mas, por vezes, basta uma lembrança pequena, um prato antigo com o nome dos noivos, uma chávena que resistiu à máquina de lavar, ou um frasco com um resto de licor velho, para voltar tudo. A sala cheia, o colchão virado ao contrário, as prateleiras improvisadas, o riso dos que já cá não estão. E a cama, essa cama dos noivos, mesmo desfeita pelo tempo, continua feita na memória. Com as suas partidas, a boa comida, e uma gargalhada que ainda ecoa.
Depois da cama feita, a seguir viria a festa de casamento — e essa merece ser contada por si só.