O trabalho do ainda Secretário de Estado das Comunidades do último governo Costa foi tão proficiente que resultou na perda de dois dos três mandatos que o PS tinha nos círculos da emigração. O corolário é o próprio Presidente da AR perder o mandato, uma ironia suave, para o Chega, um inimigo figadal. Como diz o povo, quem ri por último, ri melhor.
Entretanto, já sei que vão dizer que a conjuntura iliba o homem que nunca tem responsabilidade sobre nada. Mas há que ter cuidado com as palavras, precisamente para não se ficar prisioneiro delas. Na realidade, se eram verdadeiras as tais notícias sobre o presente e o futuro risonhos das nossas comunidades – condições dos consulados, recursos humanos, aumentos salariais, apoios sociais, ensino do português, proximidade, distribuição de computadores, festas, arraiais, devaneios, aviões e afins – os portugueses da diáspora foram bem ingratos no momento do voto. Ou isso, ou estamos perante mais uma lição de vida gratuita porque alguém se atreveu pensar ser suficiente “criar”, “inventar”, “soprar” ou “difundir” notícias, sem qualquer contraditório, para se obter um bom efeito e passar-se por bom governante. Enganou, primeiro. Foi enganado, depois.
Quanto ao resto, a perda de votos do PS na dita diáspora assume uma progressão de sentido negativo consequência da tentativa simultânea do indivíduo em ser ubíquo, curandeiro e acumulador de pontos e milhas. Quantos mais quilómetros ele fez, mais votos ele perdeu.
Presumo que, novamente, ele vá tentar fingir que a derrocada no exterior também não é nada com ele. Na posição dele, eu fazia o mesmo e, “en passant”, aproveitava, punha-me a milhas e, literalmente, ao fresco. Lisboa é longe e é um bom lugar. E é suficiente mudar a morada de casa e, mais uma vez, a “causa” que move. Num mundo de segundas e tantas oportunidades, não há duas sem três.
VIVER EM MARTE
Como esperado, as eleições não trouxeram uma decisão óbvia e consistente. O indígena, massacrado por 20 anos de estagnação, empobrecimento e promessas, votou em massa, mas preferiu o impasse à solução ou o reforço do partido que há cinco anos tinha 1 deputado e agora vai ter 50. Para gáudio, com sarcasmo, da Pátria que comemora o meio século do 25 de Abril, 50 é a cifra para a resolução da equação.
Por muito que custe, a política vive hoje refém do directório não eleito de Bruxelas e armadilhada pelo politicamente correcto. Boa parte da sua produção cinge-se a generalidades ditas como excentricidades para não ofender ninguém, negando os problemas graves para não criar transtorno. Só há direitos e ninguém fala em deveres. É um mundo estranho, inidentificável. Impressiona a quantidade de tempo que se perde com pronomes, com paleios idiotas e com farsas inclusivas, com extremismos ambientais e com a obsessão pela reeducação de um povo que eles consideram, certamente, bruto, alarve e analfabeto.
Em política, quando se perde a noção do que é importante, perde-se o contacto com a realidade das pessoas de carne e osso. E com um país sem produção de riqueza, com as castas superiores bem instaladas e as elites a casarem entre si, o que fica é pouco para satisfazer uma classe média que não cresce, que empobrece todos os dias e que não vê oportunidades, para si e para os seus.
Dizer que tudo isto é uma moda, um momento, um homem, pode ser confortável, mas não é elixir porque demasiados sobrevivem nesta logomaquia, neste jogo de palavras. Assim alienada, a classe política disfarça a impotência, uma rendição quase incondicional perante factos que julga consumados. Então, a política fica simples para os atrevidos porque aponta para onde dói e faz mossa sem contemplações. E o lobo entra e sai do redil para um banquete fácil: só não sabe se começa pelas cabras, se pelas ovelhas.
Como sair disto? Não sei. Relembro, porém, que de um lado estão 80 deputados da AD (podem ser 88 com a IL) e do outro 50 deputados do Chega. Esta relação é completamente diferente da registada em 2011 quando o PSD tinha 108 mandatos e o CDS 24. Hoje, o equilíbrio de forças não se resolveria com dois ou três ministérios.
Neste enunciado, o lado mais frágil é, estranhamente, o lado que ganhou as eleições, a AD. A questão é perceber se é melhor o lobo solto, fora do governo, ou se é melhor o lobo preso, dentro do governo. O tempo há-de resolver o enigma, mas dificilmente uma vitória podia ter tanto sabor a derrota.