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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

11/12/2022 06:29

Essa vontade de contrariar o texto e dar a volta ao guião que te estava escrito. Era tão diferente, não era? Lembras-te das tuas lágrimas em 2004? Quando vergámos contra a Grécia, ainda por cima em casa? E os comentadores a dizerem que eras um miúdo e que ainda tinhas tempo, pior era para aquela geração de ouro única e insuperável - com Figo, Rui Costa, Deco, Pauleta e Ricardo - e que já não teria hipótese de triunfar. E realmente tiveste tempo, a tua vez chegou em 2016, no banco mas sem te sentares, com dores de corpo e de alma, a ver o mal-amado Éder concretizar o que era impossível, não era? E esperávamos uma repetição agora em 2022.

A culpa é toda tua, quando nos mostraste que Deus era português naquele hat-trick contra a Suécia e disseste que estavas aqui, que estavas lá e que estavas em todo o lado, predestinado, galáctico, quase divino, quase perfeito, fazendo-nos esquecer que és humano, como nós. E a culpa continua a ser tua quando num Mundial - que já deixou para trás Brasil, Países Baixos (e o que jogaram também), Espanha e outros que tal - nos fizeste crer que era a nossa vez, a tua vez, porque és maior que todos nós, que todos os outros. Desculpa, mas a culpa é tua porque certamente inspiraste miúdos como Gonçalo Ramos, João Félix e Bernardo Silva, que talvez te tenham visto chorar em 2004 e agora choraram ao teu lado nesta despedida amarga, de que és, serás sempre, o primeiro culpado. E serias sempre… Não te apoquentes por teres começado no banco, se tivesses entrado de início, a culpa seria tua na mesma ante o fracasso e nunca saberemos se seria suficiente para alcançar a vitória. Seria, certamente, a teimosia do treinador, de insistir no "velho e cansado" culpado dos nossos males, não seria?

Às vezes também tenho vontade de te amaldiçoar porque mostraste que é possível, essa mania, irritante, de não seguir o que te estava escrito. Agora acreditamos sempre e a esperança faz doer mais no fracasso, que - pasme-se - faz parte da vida, também da tua. Há quem diga que preferia ver Portugal perder a ver-te no banco. Eu preferia ver-te no banco e vê-los a todos "a comer relva" para te entregar de mão beijada o triunfo que tanto mereces. Já fizeste tudo, já ganhaste tudo. E quando o dia chegar e há-de chegar- e espero que estejas na bancada ou no banco a ver - a culpa será sempre tua e não há maior vitória do que essa, nem culpa maior de se carregar. Come milho, agora. Respira. Toda a vida nos disseram que era preciso comer muito milho para alcançar as pequenas coisas, não foi? Quanto milho comeste, rapaz, para chegar onde chegaste e alcançar o que alcançaste? Não penses que só contam as taças ganhas, os canecos. E as histórias que várias gerações vão contar e que vão inspirar as próximas? No futebol, como na vida. A culpa é tua. As desculpas são nossas. Obrigada!

Sandra Cardoso escreve ao domingo, de 2 em 2 semanas

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