Nenhum dos convidados se fez rogado: num ápice regressou-se à aparente normalidade que é o mesmo que dizer aos bons velhos tempos do socialismo desregrado e dos escândalos em que a seita é especialista e doutorada. Infelizmente para os menos distraídos, os novos bons velhos tempos significaram o sequestro às mãos das cativações de Centeno, a queda dos serviços do Estado para os patamares das antigas anedotas soviéticas e o recorde de receitas de bilheteira, perdão, de arrecadação de impostos. O argumento não era coincidente com o filme produzido, mas os convidados prosseguiram na farsa. Pelo meio, simulavam umas zangas infantis, para não parecerem pessoas de vida fácil. Todos riam. Pareciam genuinamente felizes.
Entretanto, os anos passaram, o amor esmoreceu e a crise acabou em divórcio. Costa, depois de provocar habilmente a ruptura, ficou com os despojos que incluíram a casa, o carro, a pensão de alimentos, a televisão de 75 polegadas e a maioria absoluta que lhe permite gerir o país ao sabor dos seus objectivos.
Houve um tempo em que os estadistas portugueses pensavam nas gerações futuras e não no que iam comer ao jantar. Esse tempo parece ter passado e é agora memória num campo fértil para políticos sem alma e sem ideias para o futuro. O que importa é sobreviver no poleiro. Mesmo com uma maioria absoluta, aguenta-se o máximo sem respirar.
Hoje, António Costa governa não governando, enquanto acumula milhas aéreas para usufruto futuro. É assim que evita os sarilhos escudado por patetas úteis, que sacrifica amiúde com especial deleite. Não é um grande cartão de visita, mas para o grau de exigência da pátria basta, já que o circo, se não enche o olho, pelo menos diverte. Está no seu direito. Aliás, Costa é desde sempre um profissional da política, e como bom profissional da política não tem no currículo qualquer reforma executada ou uma ideia clara sobre o país.
Logo, a nação vai seguir sem rumo definido, como que a medo, assistindo à degradação criminosa e progressiva dos serviços públicos, marcada por mortes estúpidas, pela destruição incendiária, pela incapacidade de reacção e de preparação e por greves cada vez mais periódicas e, na verdade, justas. E, claro, em via aberta para o empobrecimento generalizado e instalado, fatal como o destino, da pequena e média burguesia. É óbvio que há sempre a desculpa confortável da pandemia, da crise e agora da guerra que trouxe a inflação (que já existia, não se deixem enganar) e mais dois mil milhões de receitas extraordinárias, em parte agora "devolvidos", mas com os truques habituais. Costa é sublime nessa arte de dissimulação, uma arte apoiada pelo Presidente e seguida por comentadores apaixonados pela beleza visual das apresentações de anúncios governativos ou enfeitiçados pela qualidade do português do primeiro-ministro.
Presos na teia, os portugueses das sondagens continuam a gostar da figura simpática a quem deram maioria absoluta, talvez acreditando, presumo, que essa maioria serviria não apenas para afastar de vez os extremistas, como também para criar um programa de reformas profundas ou uma catapulta para lançar o país noutros voos. Como Prometeu, Costa trouxe a luz e com ela a maldição da esperança. Poucos meses passados da inesperada maioria, a desilusão é tremenda: a imagem que retemos do primeiro-ministro é a de um general parado, impávido, que apenas reage impelido e obrigado pelas circunstâncias; um general sem iniciativa e indeciso sobre tudo o que é importante, apesar das condições únicas. Mais: com a hegemonia eleitoral, Costa fez o governo que quis e meteu a esquerda e o PS no bolso. Pelo meio, brinca com os possíveis sucessores, a quem chicoteia em público, num espectáculo deprimente e revelador do carácter dos intervenientes. E se é verdade que o currículo e percurso da criatura explicam a sua habilidade política e capacidade de sobrevivência, também é verdade que nos elucidam sobre as suas prioridades. Algum pão e algum circo, que o resto pode esperar.
Tony Soprano, interpretado por esse enorme James Gandolfini, dizia que uma má decisão era melhor do que a indecisão. Costa, infelizmente, não decide. E pelo andar da carruagem, também não vai sair de cima.