O BE gosta de parecer avant-garde, acha que a história caminha para ele qual timoneiro do nosso destino. Olha de soslaio e de cima para baixo para os "antiquados", aqueles que se agarram às tradições, que acreditam em Deus, que têm da vida valores que receberam de seus antepassados.
O BE, fazendo fé ao sangue revolucionário que lhes corre nas veias, acha que a política é luta fratricida, que há-de estar sempre em campo de batalha, destruindo o outro lado. Tem como inimigos os Bancos, a Igreja, a Instituição militar e os EUA. Suporta a democracia liberal, mas legitima-se pelo devir dos acontecimentos que acredita que será sempre de feição ao seu ideário. Por isso, não gosta de concórdia nem cedências.
O BE não "dá água a pintos". Com o verbo de quem luta pelos mais desfavorecidos a sua agenda é a das causas fraturantes. Pôs em cima da mesa, como condição para aprovar governos e orçamentos, projetos de leis e iniciativas tão ao gosto provocador e arrogante das suas líderes. E o PS, prisioneiro, agendou na oportunidade e garantiu a aprovação.
BE quer provocar. Marcelo Rebelo de Sousa representa tudo o que o BE não gosta. Os valores em que acredita, a forma como concilia as partes e o apreço que tem pelas instituições. A eleição de Marcelo Rebelo de Sousa foi um revés para o BE, mais do que para qualquer outro partido. Sabe aquele Presidente valoriza a estabilidade e assegurará governos de legislatura. Sabe que o PR não precisa da sua aquiescência para manter o Governo e não considera imprescindíveis os seus votos para as maiorias necessárias na AR.
Na profunda angustia em que Portugal está, com o drama que se respira nas estruturas de saúde, nas empresas e nas famílias, a Assembleia da Republica teve pressa em aprovar a lei da eutanásia. Votou sem olhar à profunda dilaceração que a iniciativa representa para muitos portugueses. Mas foi a toque de caixa do BE.
Para ele é necessário estar no grupo dos únicos sete países que têm legislação idêntica. Porque é preciso destronar as ordens dos médicos e dos enfermeiros que, na certeza deontológica, recusam a opção. Porque é preciso "despachar" quem sofre mesmo antes de lhe diminuir a dor e a fragilidade. Porque o serviço público de saúde que não tem cuidados paliativos generalizados, deve ser financiado para matar a "pedido". Porque o individualismo se sobrepõe a uma missão fundamental do Estado.
Não é só de oportunidade que se fala. É uma lei mal feita. É uma lei cheia de cláusulas abertas e incertas na sua aplicação. É uma lei que marginaliza a família e o médico. É uma lei que vinga na imponderação, e sublinha a vontade de quem, por estar a sofrer, quer ter alivio e encontra aí o único caminho que o Estado lhe dá. É uma lei inconciliável com o louvável esforço de tantos para salvar os que se aproximam às centenas em ambulâncias às portas dos hospitais.
Mas a oportunidade do BE nesta aprovação é provocar. Dispensa referendos. Nem deseja o crivo do Tribunal Constitucional. Revela um sobranceiro cansado de "ouvir argumentos contrários". Quer mandar para Belém esse presente envenenado. Leva o carimbo de uma maioria sem legitimidade para aquela aprovação, leva a concretização de mais um ponto do seu caderno reivindicativo. É acima de tudo uma investida para Marcelo.
O Presidente da Republica, com uma legitimidade acrescida e com uma emergência entre mãos que exige soluções difíceis, mas necessárias, tem esta investida pela frente. Vinda de quem vem não espanta. Devia ser desmascarada para que se saiba que em plena pandemia eles preferem que legalizemos a eutanásia.
Sr. Presidente cumpra a sua função!