Começou sob um suposto anonimato, a meio deu lugar a uma demissão e, no fim, resultou numa comissão de inquérito. Foi assim o ocaso de uma carreira política que se finou sob o efeito de um monumental tiro no pé. É incompreensível o porquê disto agora, mas eu sou, confesso, um ingénuo e pode-me escapar uma motivação que desconheço.
Seja como for, o líder do maior partido da oposição decidiu aproveitar a deixa e agarrar-se ao acontecimento e ao protagonista como bóia de salvação. O efeito é informativo: sem ideias, nada como esconder a incapacidade de ser alternativa, enquanto tenta queimar "bruxas" na fogueira da inquisição parlamentar e ajustar contas com o mundo. Ficou-lhe mal. Foi mais um a cuspir no prato onde tão bem comeu.
Mas o que interessa agora se as "obras inventadas" eram afinal um código para "obras desnecessárias"? O que interessa agora se as "certezas" e os "factos" de ontem são afinal meras "opiniões" de hoje? Não interessa nada, porque para a oposição, ao longo da Autonomia, todas as obras foram "desnecessárias", logo "inventadas". Pela mão desta gente, a Madeira ainda tinha estradas sem alcatrão e gente a viver na furna mais próxima. Que tentem tomar os madeirenses por tontos diz mais sobre eles do que sobre os restantes.
Sei, por fim, que em tudo isto faltou tacto político para se evitar tristes figuras e humildade para impedir a balbúrdia e o inevitável sarilho. Primeiro, porque o silêncio pode ser mal interpretado, mas nunca mal citado. Depois, como já vaticinava o grande Millôr Fernandes, jamais se deve dizer uma mentira que não se consiga provar. E, por último, porque a palavra pode ser de prata, mas o silêncio, esse, é de ouro.
Jesus que se apaga a luz
O PS/Madeira, inspirado no PSD e no CDS, decidiu formar uma secção da diáspora. Para cumprir o propósito, o PS recrutou num partido da concorrência, e para liderar a dita secção, um senhor de nome Jesus Santana que, sem perder tempo, deu, na passada quarta-feira, uma entrevista ao DN onde explanou a acuidade e a profundidade da sua visão.
Jesus Santana é um [bom] exemplo do [mau] sentido de oportunidade em política: era do CDS, mas falhado o objectivo (qual seria?) decidiu ingressar no PS porque "tivemos logo o apoio do presidente do partido". Pelo meio da entrevista atrapalhada, consegue-se perceber que Jesus Santana acredita em três coisas: (1) que a governação da coligação "assemelha-se muito à governação da Venezuela"; (2) que o programa Regressar deve ser pago pelos madeirenses porque a Madeira tem "autonomia política"; e (3) que a direcção das comunidades "limita-se a criticar e a fazer o que é feito pela secretaria de estado das comunidades".
É escusado comentar a primeira (é uma tentativa de piada); tentar perceber a segunda (é uma encomenda armadilhada); ou empolar a terceira (é ignorância atrevida). Só que, no entrementes, Jesus Santana confessa que com ele levou para o PS uma dezena de pessoas porque "todos temos o direito de mudar de opinião" e, suponho, porque à dezena sai mais barato. No mesmo fôlego, Jesus revela ainda que "no passado, muitos emigrantes tinham uma cultura de votar no PSD", inclusive ele, como admite o próprio. Repare, então, no pormenor delicioso: Jesus Santana era do CDS, milita agora no PS, mas votava, enquanto membro do CDS, no PSD. Uma pessoa de confiança, portanto.
É provável que até Setembro, Jesus Santana continue a mudar de partido ao ritmo com que muda de ideias, de princípios e de cuecas. É mais forte do que ele, não tem mal. A única coisa que parece não mudar é aquela dezena de idiotas úteis que ele manipula ao sabor das suas convicções de momento e que com ele pousam nas fotografias com ar de enfado, ora com a bandeira de um, ora com o cachecol de outro. Perante a evidente falta de carácter, o PS nem percebeu a entrada desta quinta-coluna e a legitimação de um novo sindicato de voto interno, insaciável nos seus propósitos e apetites. E só vai percebê-lo quando o dito cujo agarrar na sua trupe e abalar para outra agremiação política, porque não lhe deram aquilo que ele tanto queria. Serve esta historieta para iluminar a sala e separar o trigo do joio: há gente séria para quem as comunidades são um princípio sagrado; e depois há Jesus Santana e o líder do PS para quem as comunidades são uma espécie de penduricalho que eles querem usar para atingir os seus objectivos.
O carro à frente dos bois
Talvez seja da época, da ansiedade ou de outra coisa qualquer. Mas vejo demasiada gente preocupada com lugares, posições e com a divisão partidária num futuro parlamento ou governo. Isto a seis meses de eleições e com um longo caminho pela frente, um caminho que tem de ser feito de trabalho, humildade e assertividade. Logo, é conveniente não passar a imagem de um inusitado excesso de confiança e de que se anda com o carro à frente dos bois. Porquê? Porque, primeiro, e antes de tudo, há que ganhar as eleições, o que é cada vez mais difícil e exigente. Depois, e só depois, é que se pode ver e decidir o resto. Sem a primeira premissa, não há segunda. Nem terceira. Nem nenhuma outra.