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Artigo de Opinião

Jornalista

3/08/2023 06:00

E porque a curiosidade era muita, só havia uma maneira de o fazer: ir à procura deles. Por alturas da primavera era tempo de ir à procura das "casas"construídas com mestria pelas diferentes espécies de pássaros. Nos meus tempos de adolescente eram muitos. Era relativamente fácil de os encontrar. No meio das plantações de feijão, nos vimeiros, nas canas e até nos barrancos. Para nós era quase um desporto. Tínhamos esse espírito de desfrutar e de preservar o que a natureza mostrava.

O engenho e a mestria com que as diferentes espécies construíam as suas "habitações" eram incrivelmente espetaculares. Cada um tinha a sua técnica e preferência por determinados locais. Por exemplo, os melros-pretos que eram as espécies de maior porte, normalmente optavam por arbustos com algum porte. Encontrávamos muitos nos vimieiros ou no topo das canas-vieiras. Também faziam ninhos em pequenas árvores, como laranjeiras, anoneiras ou nespereiras. Já as toutinegras e os tentilhões usavam algumas das plantações agrícolas. Com alguma facilidade encontrávamos no feijão, ou nas "mantas" de ervilhas. As "papinhas" - pássaros de pequeno porte - já sabíamos que faziam os seus ninhos nos barrancos. Junto às veredas ou às levadas era aí que normalmente os encontrávamos. Estes ninhos eram dos mais difíceis de encontrar tal era a forma camuflada como os pássaros os construíam. Muitas das vezes acabávamos por os descobrir fazendo algum exercício de paciência seguindo a trajetória de voo das "papinhas". Quando as víamos com mato ou com alguma minhoca no bico era sinal que por perto existira algum ninho. O musgo era o material mais usado por esta espécie.

A descoberta dos ninhos envolvia também algumas superstições. Os mais velhos alertavam-nos para termos muito cuidado quando nos aproximássemos do ninho. Por exemplo, se fosse o de uma papinha num barranco junto a uma levada, tínhamos de ter muito cuidado caso estivesse água a passar por perto. É que pelo meio de tudo isto também existiam algumas superstições. Dizia-se que tínhamos de fazer o máximo de silêncio porque caso contrário a "água dizia ao lume e o lume dizia às formigas" que depois la iam matar as crias recém-nascidas.

O efeito surpresa era fantástico! Uns ninhos ainda tinham ovos, outros já tinham filhotes. A primeira reação era contar quantos ovos ou quantos filhotes aquele ninho tinha.

Claro que esta procura envolvia sempre respeito pelos animais e mantínhamos sempre o cuidado de não danificar toda a envolvência do ninho para que as mães não enjeitassem os filhotes. De facto de vez em quando encontrávamos ninhos abandonados com crias mortas. Escusado será dizer que também por vezes nomeadamente os gatos assaltavam os ninhos para atacar as crias.

Os ninhos dos melros-pretos eram maiores. Constituídos por norma no topo de um arbusto. Quando olhávamos de baixo para cima era relativamente fácil de os encontrar. Por vezes o mais difícil era lá chegar para ver o que tinha dentro.

A sensação de descobrir pequenas criaturas no ninho era um sentimento de maravilha pela natureza e pela vida. Os filhotes recém-nascidos, ainda de olhos fechados, mal pressentiam a nossa presença logo erguiam a cabeça abrindo o bico julgando ser a mãe que lhes vinha dar de comer.

Outra particularidade nesta altura era também observar os primeiros voos. Quando já tinham o corpo todo cheio de penas havia que começar a treinar as técnicas de voo.

Nem sempre a coisa corria bem e alguns caiam dos ninhos e depois era o cabo das tormentas para regressar a casa. Claro que ajudávamos.

Na minha infância, gabávamo-nos de ter encontrado um determinado número de ninhos. Recordo também - apesar de algumas excepções - de tentarmos preservar ao máximo os ninhos, no fundo, preservando estas espécies que faziam parte do nosso dia-a-dia.

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