Facilmente nos esquecemos do que deveriam ser as nossas prioridades. Andamos, sim, distraídos com o acessório, valorizamos quem nos indigna e desistimos de ensaiar lutas para defender direitos coletivos.
Basta um qualquer escrito atentar contra as regras da boa educação que rapidamente nos unimos contra quem escreve com evidente vontade de ferir o leitor e suscitar interação. Os agressores do teclado satisfazem-se a gerar repúdio e nós fazemos-lhes a vontade... sem grande esforço. Bastam outras tantas palavras escritas nas redes sociais e pronto. A ira torna-se viral em forma de partilhas, comentários e afins.
De que vale nos insurgirmos contra a ofensa gratuita de um qualquer escriba? A raiva que demonstramos e nos afaga o ego servirá para mudar a mentalidade de quem, mesmo com tempo para pensar no que quer transmitir, decidiu enveredar pelo abalo fácil? Não me parece.
Mais do que indignação com o que se lê, apercebemo-nos da forma fácil como a ira sobre determinado tema ganha dimensão nacional. E vai, aliás, ao encontro do tempo em que vivemos. Tempos de fúria, manifestada principalmente por quem tem de engolir sapos para enfrentar os custos da inflação, os baixos salários, a habitação desregrada com juros imparáveis, aumentos no combustível, etc. Depois de tudo somado, é óbvio que sobra pouca paciência para enfrentar o dia a dia e contestar medidas avulso que não servem a ninguém, como a do IVA Zero.
O cansaço de quem tem de efetuar contas e contas para chegar ao final do mês sem dívidas acaba por manipular a realidade e servir de rastilho a quem se alimenta do populismo, dos lugares comuns, do discurso fácil que vicia os que estão fartos de trabalhar e pouco têm para mostrar. Não surpreende, por isso, vermos cada mais extremistas, à direita ou à esquerda, com caminho aberto para vingar.
Deveríamos estar mais atentos, perceber nas entrelinhas para onde caminhamos, e evitar que a discussão sobre matérias mais relevantes esteja restringida a um grupo pequeno. Sempre os mesmos, aliás, que representam partidos pouco escrutinados por todos os que se dizem militantes e encaram a política como mais um desporto nacional, ignorando, pelo menos alguns, que muitos fazem da política uma forma de vida e safam-se com maior à vontade do que a maioria.
Surgiu por estes dias, por exemplo, um artigo que relembrava as figuras do Governo de Sócrates, que há pouco mais de uma década protagonizou o terceiro pedido de ajuda externa do País. Resgate ocorrido depois de seis anos de governação com Augusto Santos Silva, Fernando Medina, João Gomes Cravinho, Pedro Marques, Pedro Silva Pereira, Carlos Zorrinho, Manuel Pizarro, Maria Leitão Marques… Os mesmos que hoje, 12 anos depois, pontificam no Governo de Costa ou nos representam no Parlamento Europeu.
Claro que todos dirão que o problema é do passado, que na altura o resgate foi aprovado por PSD/CDS. Que também, diga-se, convivem mal com a mudança. O que não significa que não tenhamos de preservar o passado.
O maior problema é optarmos por um discurso de raiva e desviarmo-nos da questão fundamental. Como podemos esperar resultados diferentes com os mesmos comportamentos/protagonistas?