Feito o introito agarremos no cordel do balão que sobe, sobe, como na canção e vai falar com as estrelas.
Quando era pequena, a minha infância resumia-se a um sentimento: felicidade. Um dos contributos para essa felicidade eram as estrelas, os céus iluminados por milhões e milhões de pontinhos de luz, rasgos de estrelas cadentes, satélites e aviões. O luar era intenso, luminoso, enfeitiçador, beijando o mar que se derretia com a sua luz, mas a lua, egocêntrica e cumprimentar com a luz do sol, não deixava brilhar os demais corpos celestes, não nos deixava contemplá-los, pelo que a melhor semana, com certeza, a lua nova.
Íamos a minha mãe, o meu irmão e, quando ainda por estava feito corpo terreno e não celeste, o meu avô, para o terraço da garagem, um acrescento ao edifício principal da casa com uma vista soberba de 360º do mar à serra, ao céu, de nariz no ar e pescoço esticado caçar estrelas cadentes. Quando o carrolo se cansava deitávamo-nos no chão, de cimento, com ou sem tapete, pés cruzados, braços a suportar a nuca, até vislumbrar algo de interessante, de diferente.
Mal anoitecia as primeiras a dar nas vistas eram Vénus e as três Marias, ainda há dias, por cá, no Funchal, terra de luz impeditiva de observar o céu na sua plenitude, vi as três Marias e conversei com elas como se fossemos velhas amigas, que se calhar até somos.
Lembro-me nitidamente de três episódios marcantes no que aos acontecimentos espaciais concerne: certa vez estava com o meu irmão e a minha mãe, esta vestida com o seu roupão acetinado cor-de-vinho, em direção ao horizonte marítimo surgiu um meteoro se metamorfoseando em meteorito de uma cor verde tão intensa que os olhos, já esverdeados, do meu irmão mais pareciam os semáforos da rotunda do Relógio. Foi encantador e assustador ao mesmo tempo. Não sei se antes, se depois, porque o que as noites de verão tinham de bom era o perder do tempo, dos dias, das horas, das semanas, uma estrela cadente, outo meteorito, encontrou-se com a atmosfera e num rasgo de luz feriu o céu escuro como um tentáculo de águas-vivas que demorou a se apagar. Foi como se o céu tivesse pegado fogo momentaneamente.
A estes fenómenos adicionavam-se os eclipses lunares e até solares, lembro-me de um que levou à destruição duns óculos de soldar, mas que nos permitiu ver a sombra no astro rei.
Anoitecendo, já com irmão na faculdade, mãe a dar aulas e pai algures, coube-me abastecer os cães de água, tarefa que gostava de fazer pela sombra noturna para evitar encontros imediatos com as rasteirinhas, essas, as escamosas, as nojentas: lagartixas. Teria cerca de catorze anos, uma coragem noturna interessante que me livrava do medo de aves como corujas e afins, que até gostava achava belas e nada videntes ou conhecedoras da vida e da morte, dirigi-me ao espaço onde me aguardavam, alegres, a Sunny e a Daisy, de pelo sedoso, claro, de balde na mão, quando, sem previsão, sem preparação, sem respiração, um meteorito cor de fogo irrompeu pelo céu, iluminando, num instante, a escuridão da mata da ribeira do Lombo de São João, o pelo claro dos cães, acendendo os seus olhos como se tomados por um flash fotográfico de fraca qualidade. Gritei, larguei o balde, entrei em casa e escondi-me no quarto: tapa-sóis fechados, porta fechada, encolhida na roupa da cama em posição fetal até a minha mãe me vir salvar.
A verdade… todos somos "super stars" até termos noção da nossa pequenez perante o universo, o céu, o Espaço, a Terra, Deus. E todos precisamos de quando em vez, duma chamada de atenção, de humildade. Um agosto estrelado para todos.