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Artigo de Opinião

Engenheiro

15/08/2024 08:00

O melancolismo narrativo de Camilo, a forma como a dor da existência e da injustiça marca a infelicidade das personagens do seu romance maior, parece uma piada comparada com o teor da maioria das petições públicas em Portugal. O caro leitor já alguma vez se aventurou no submundo das petições públicas no nosso pedinte país? Se nunca o fez aconselho-o a manter-se afastado, nestas matérias a ignorância é abençoada, eu diria ainda, é higiénica. O termo petição pública tem uma certa conotação com desespero, tem aquela toxicidade de quem quer impor um pensamento, uma corrente, uma crendice, na grande maioria das vezes, uma idiotice. Perdi algum tempo no presente estudo, só espero que não fique contaminado, pois o tempo de exposição peticionária foi significativo, mas parece que ainda estou a dizer coisa com loiça... ou se calhar não.

A primeira abordagem começa de forma magistral, no site, a declaração de interesses é curta, mas potente, pois se pensa em exercer pressão em organismos, organizações ou empresas, sensibilizar políticos, organizar um protesto ou boicote, criar uma onda de indignação, alterar ou criar propostas de lei, é dito que está no sítio certo, ou seja, no site certo. Diz ainda que as petições online mobilizam a população sobre temas relevantes e são muitas vezes destacados nos principais meios de comunicação social. E pimba, está o engodo lançado, a malta começa logo a pensar em CMTVs e nas TVIs deste mundo e na rápida resolução do seu problema ou na projecção meteórica da sua infeliz ideia ou trágica intenção.

Estive a contar e são ao todo 28322 petições públicas espalhadas de norte a sul de Portugal, incluindo ilhas atlânticas. Meus amigos, a fauna peticionária ainda consegue ser mais furtiva que a maioria dos eloquentes participantes nos chats e caixas de comentários do Facebook. Não vou poder mostrar tudo, pois estamos perante uma autêntica enciclopédia do absurdo e da insanidade, mas Freud poderia explicar algum deste inflamado peditório. Com três assinaturas e alguma preocupação, “Exmos. senhores, penso que neste momento podem ter outras preocupações, mas existe uma preocupação muito generalizada na nossa sociedade: o desaparecimento, em larga escala, das máquinas de assar frango no espeto”. Sem manguito, muito óleo e com 61 assinaturas, “À Ibersol, É favor mandar abrir uma filial ou dar condições de franchise de um KFC na Caldas, fáxabôr! Aqui gosta-se de frango frito”. Com uma colher e 145 assinaturas, “Quem nunca provou o Nestum Figo e/ ou o Nestum Amêndoa quando era criança e sente saudades destes sabores? As marcas estão sempre a reinventar novos sabores e por vezes sentimos falta de sabores antigos. Sentimos falta daquele aconchego familiar”. Bem vistas as coisas, para esta malta, um Nestum Medronho ou Nestum Amêndoa Amarga seria mais aconselhável. Mais uma petição completamente indecifrável, mas com 10 assinaturas, “Venho por este meio criar uma petição publica, na qual consiste que os ciganos não deveriam ter acesso nem trocar ilegalmente dildos”. Pois, ciganos e brinquedos sexuais, uma mistura explosiva.

Sabemos que os nossos conterrâneos são também profícuos na pedinchice, era o que faltava se não dessem também para este peditório. Sobretudo nos últimos tempos, as chamadas redes sociais inflamaram-se e foi um chorrilho de petições. Só o famoso Bores, teve direito a quatro petições, ora a peticionar a devolução à família, ora a exigir o regresso ao seu lar, ora pedindo justiça e por último, respostas perante a sua morte. Ao todo foram cerca de 29000 assinaturas, um pouco mais do que a votação do PS nas últimas eleições regionais. No entanto, em todo o processo em vez da preocupação estar do lado certo, estava do lado mais fácil, é quase sempre assim. O que foi conseguido foi um autêntico “linçamento” público de quem cumpre e faz cumprir a lei. Infelizmente o desfecho não foi o que todos desejávamos, o pobre do lince acabou por morrer. Mas sejamos sérios, este animal selvagem, que não é um gato, já tinha morrido há seis anos, no preciso momento em que o retiraram do seu habitat. Este é que foi o verdadeiro crime, que para o qual devem ser exigidas respostas e a devida justiça. Por esta petição assino eu e talvez também o Castelo Branco, o Camilo... claro.

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