Entre a surpresa e a preocupação, ando de novo incomodada com um anúncio publicitário. No vídeo em questão há três interlocutores: uma mulher - sogra/mãe — e um casal que passivamente a escuta e depois se dispõe a obedecer-lhe. A mulher reivindica um neto e alicia os jovens, lembrando-lhes o quão oportuno será procriarem agora, para que o nascimento da criança venha a coincidir com o início do campeonato de futebol, aprazado para dentro de nove meses. Dessa forma, sublinha ela, a licença de parentalidade, permitir-lhes-á ficar em casa e ver todos os jogos.
A licença de maternidade é uma prerrogativa conquistada apenas há algumas décadas e só quem nunca privou com um recém-nascido pode achar que equivale a umas férias descansadas. Essa interrupção laboral provou-se necessária para garantir à mãe um tempo de recuperação e tornar mais leve a resposta às variadíssimas solicitações que a frágil vida do novo ser exige. Recentemente, com o intuito de envolver o pai nos cuidados ao filho, bem como no apoio à companheira, também para ele foi estabelecido um período parental. Diz o artigo 42.º, da lei n.º7/2009 que "É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias úteis, seguidos ou interpolados nas seis semanas seguintes ao nascimento da criança…" Imagino que sejam estes vinte e oito dias que os criadores do anúncio, acima referido, preveem seja utilizado para se refastelar no sofá, ou no banco de um bar, rodeado de outros adeptos, munidos de jolas frescas e tremoços bem temperados, a celebrar os golos ou, caso eles faltem, insultar jogadores e barafustar contra as decisões dos selecionadores.
E quando o bebé chorar? E quando for necessário alimentá-lo, minorar-lhe os incómodos, mimá-lo? Quem estará presente? Atrevo-me a afirmar que a mãe não lhe faltará, porque, tal como acontece com muitas espécies, na nossa também, durante este período da vida dos filhos o vínculo materno é especial e intenso. Tudo certo: a natureza é mesmo assim. E o bem-estar de mãe e filho só contribuem para o bem global da sociedade. A mesma em que se continua a não querer compensar a mulher-mãe e persiste em penalizá-la nos locais de trabalho; a mesma em que hospitais lhe restringem a assistência, encerrando serviços de obstetrícia; a mesma em que ainda se acredita que uma mulher estar em casa é equivalente a nada fazer. Nada disto exclui o valor da presença paterna e é importante que a responsabilidade parental seja vivida em parceria e assumida muito para além do período de licença parental.
Sim, o vídeo é tão só uma representação, algo idiota, com intento humorístico. No entanto, não deixa de refletir a mentalidade dos seus criadores, que imagino jovens e, por conseguinte, esperava que imbuídos de conceitos inovados. Todavia, o que transparece é a persistência de velhos padrões, aliada à atual filosofia de vida em que tudo deve ser diversão e fruição contínua. Um logro, claro, porque a realidade impõe-se e vem cobrar esforço e cumprimento dos afazeres a que um progenitor não se deveria furtar. Infelizmente, a negligência parental continua a ser notícia.
A publicidade almeja ecoar na mente do consumidor e bebe do que sabe ser aquilo com que muitos se identificam. Por outro lado, é também um veículo de influência que leva à validação de ideias e comportamentos. Daí a minha preocupação. Resta-nos esperar que não haja alguém que, tal como o casal do vídeo, seja convencido pelo argumento, por muito grande que seja o seu amor à seleção.