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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

30/06/2024 08:00

Tenho saudades delas. Saudades das mulheres daquele tempo!

Sempre com grande vagar, longe de vaidades, lavam a cara de manhã e penteiam-se sem olharem para o espelho. Fazem a sua oração com devoção, num ritual contínuo de olhos fechados. Pedem a Deus por si e por todos, pelos presentes e pelos ausentes. Tratam do “quebra-jum”, a bem dizer, do “quebra-jejum” da família com grande responsabilidade: o café de cevada a escaldar e um pedaço de pão com manteiga ou marmelada. Aprontam a casa bem aprontada, com tudo fresco e arejado. Nada falha nas suas mãos, porque são as grandes mestres da casa e ai de quem duvidar das suas habilidades.

São as verdadeiras donas do lar e têm grande orgulho em arranjar bem arranjados os homens da sua casa. Correm atrás deles, pelo terreiro p’ra lá, a escová-los pelos ombros, pelas costas e do quadril para baixo para que vão bem limpos e asseados na sua roupa do caminho, não vá alguém dizer mal delas, que o que não falta são más-línguas neste mundo de perdição.

Às filhas, com o grande cuidado que se lhes impõe o dever, fazem-lhes o rabo-de-cavalo tão bem feito, sem deixar nenhuma choca de cabelo que seja para trás a descompor o penteado.

Deitam a roupa a enxugar ao sol com ordem, porque em tudo há ciência e nada pode ser executado à balda. Primeiro, as calças dos homens, que devem ser viradas do avesso para não queimar ao sol; depois, as saias das mulheres; a seguir, as camisas e as blusas e só depois a miuçalha da roupa miúda. A meia tarde, viram tudo de pernas para o ar, para que tudo seque mais depressa. Deitam a coarar a roupa branca para ficar alva de neve e perfeita. E elas sabem bem que o sol do mês de abril é o melhor para se fazer de um guardanapo encardido um pano perfeitamente branco e limpo de nódoas.

Elas têm grande alegria nas suas tarefas e não se sentem usadas nem abusadas por isso. Brigam, sem remorso nenhum, com os filhos se eles entram às carreiras pela casa dentro, não vá a jarra da mesa de centro virar com aquela folia a estremecer o soalho todo. Abençoam e educam os seus crianços para serem bons e para um futuro do “pão nosso” na mesa sem falarem em sonhos de grandes viagens ou férias. Elas sabem, sem nunca ninguém lhes ter dito, que as grandes obras estão no coração dos Homens humildes, sejam eles ricos ou pobres. E sabem bem que o caminho é esse e que não vale a pena correr nem saltar para ser melhor do que os outros. Deus tem um propósito para cada um. O segredo é desempenhar o seu papel, por mais singelo que seja, com alegria, excelência e honestidade. Mais nada. E sobretudo, é preciso saber deitar contas à vida e não se esticar muito em gastos.

Da sua casa pobrezinha, as mulheres daquele tempo fazem um jardim num paraíso. Pelos buracos das paredes, ao redor da casa, metem folhinhas de suculentas, pezinhos de corações, cabrinhas e avencas, que rebentam e crescem como moitas. Não há lagartixas nas redondezas, porque as mulheres daquele tempo têm as suas paredinhas tão bem enfeitadas e regadas que não há ovo de lagartixa que por ali aprove. Os jardinzinhos à volta da casa são tão rústicos e tão trabalhados, cheios de flores disto e daquilo, sem geometria nenhuma planeada ou estudada, que até dá dó, mas lindos na sua simplicidade e na sua explosão de cores e variedade. Os terreirinhos, de pedra lascada calcetados, são tão bem varridos e soprados que brilham ao sol.

Às vezes, encontro mulheres daquele tempo na cidade. São raridades e gosto delas.

Um dia, depois do AVC de minha mãe, pus-me a apreciar uma mulher daquele tempo e outra mulher mais nova, que eu supus serem mãe e a filha. Eu queria tanto estar no lugar daquela filha, e pus-me a espreitá-las, mas fiquei dececionada, porque aquela filha brigava tanto com aquela mãe para que ela se aviasse que era uma dor de alma.

De verdade, as mulheres daquele tempo fazem tudo com vagar! E assim é que deve ser!

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