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Artigo de Opinião

O ESPÍRITO DOS TEMPOS

1/12/2023 08:00

Para os que pensaram que, exorcizado o espírito maligno, o tema perderia força, bastaram as palavras de Pedro Nuno Santos para voltar tudo ao mesmo. Afinal, não basta o “não” de Montenegro ao Chega, porque o PSD “não é credível”. O ”não” é um “não”, mas não é um “não” suficientemente “não” para satisfazer os desejos dos donos do Estado e clientes habituais de negociatas, escândalos e casos de polícia.

Deduzo que as putativas alianças tenham fardos aleatórios conforme o lado da barricada. Ao PS ninguém lhe desenha linhas vermelhas no chão ou define com quem o PS pode (ou como pode) ou não governar. O PS pode tudo. Já os outros não podem nada porque o papão é o Chega, uma espécie de crocodilo que o PS instiga, primeiro, e alimenta, depois, na esperança, parafraseando Churchill, de ser devorado em último lugar. Quem sabe não chegou o momento certo de acelerar o processo?

Em Agosto de 1939, Hitler e Estaline selaram uma aliança secreta. O Pacto Ribbentrop-Molotov instituía um princípio de não-agressão, firmava um acordo comercial e, secretamente, definia o futuro imediato da Polónia, dos estados do Báltico, da Finlândia e da Roménia.

A realpolitik mostrou-se em toda a linha com a invasão da Polónia, a 1 de Setembro de 1939, o momento que fez rebentar a II Guerra Mundial. Porém, se a Alemanha iniciou a contenda, a URSS não se fez rogada ajudando a retalhar a Polónia e a obliterar a sua elite cultural. Sem parar, Estaline fez ainda uma guerra contra a Finlândia e ocupou a Estónia, a Letónia e a Lituânia. E uma boa crise transformou-se numa óptima oportunidade.

Mas, menos de dois anos depois, os aliados improváveis tornar-se-iam nos mais mortíferos inimigos. O motivo foi singelo: uma traição. Uma traição consumada em Junho de 1941 quando Hitler atacou a URSS. A quebra do pacto germano-soviético revelou a cortina de fumo nazi e apanhou Estaline desprevenido e mal preparado.

Desfeita a “amizade”, outra aliança surgiu porque a realpolitik continuava em cima da mesa. Afinal, o inimigo do meu inimigo, é meu amigo. Churchill e Roosevelt, insuspeitos de serem simpatizantes, amantes ou defensores de totalitarismos, sabiam isso e sabiam ainda que “em tempos de grande perigo, é-nos permitido caminhar com o diabo até atravessarmos a ponte”, um provérbio balcânico que o próprio Roosevelt citava com alguma frequência e que no contexto em apreço se aplicava como uma luva. Os tempos eram de guerra; o diabo era Estaline; atravessar a ponte significava derrotar a Alemanha de Hitler.

Não faço ideia do que vai acontecer a 10 de Março. Mas quero que Luís Montenegro consiga duas coisas. A primeira é que faça uma coligação pré-eleitoral alargada com PSD, CDS, IL, MPT, PPM e Aliança. A segunda é que vença a eleição e, se necessário for, que atravesse a ponte para afastar do poder a alcateia que nos afunda, com requinte e desembaraço, na cauda da Europa. O restante, caro leitor, interprete como quiser. Porque pior do que fazer de conta que não está um elefante na sala, é fingir que não estão dois.

O REI IA NU

Não foi por falta de advertência. Toda a gente conhecia o cadastro de Vítor Escária, o percurso maculado de Lacerda Machado e o modo irascível de ser e de agir de João Galamba. O terceiro Governo de Costa sintetizou-se, portanto, neste último grande casinho, o culminar de dezenas de outros, onde tudo se esvaiu de forma rápida. Por certo, em política pode-se acordar de manhã com a confiança nos píncaros e chegar-se ao almoço açoitado no pelourinho pelo carrasco. Mas não se deixe embalar por narrativas alternativas porque o que fez cair Costa, não foi um parágrafo manhoso, foram 8 anos de farsa socialista, feitos de nepotismo, incompetência e degradação das instituições. Não foi uma historieta, foi um charco que a derrocada dos serviços públicos comprova com tenaz pertinência. E não foi um assunto virgem, foi coisa já tentada e testada pelo menos três vezes, as três vezes que os socialistas governaram, por longos períodos, como e com quem quiseram.

O que sobra por ora é a orfandade do Absolutismo revivido sob um novo Rei-Sol que nunca se demarcou convictamente dos que usaram o nome dele para a intriga, a vantagem ou a promoção social. O Rei-Sol, para além de criador de um novo tempo, julgou-se inalcançável, talvez indestrutível, seguramente invencível. Só que as virtudes em período de graça, são depois os piores vícios na desgraça, como um dia sentenciou Richelieu sobre um seu rival. Por isso, a hipotética “ignorância” dos factos ou o renegar das “amizades”, não o ilibam das responsabilidades políticas pelas escolhas que fez. Nem o absolvem.

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