" As palavras de Cas Mudde, especialista holandês, no seu último livro, A Ultra Direita, explicam como uma visão centrada no autoritarismo e no nativismo passou a fazer parte do discurso político-mediático, com a cumplicidade dos partidos moderados e dos grandes meios de comunicação social. O autor faz uma distinção muito útil entre populismo e nativismo para podermos compreender melhor a situação política que se vive no nosso país e que terá nas eleições regionais "A grande" prova de fogo: não podemos esquecer o desafio que o Chega se colocou de chegar ao governo da Madeira e a posição moderada e acomodada (ou "acomodadora") do atual presidente do Governo Regional em relação ao segundo partido da oposição na República.
Segundo, até agora. Porque o seu patrocínio a várias formas de luta contra o governo está a fazer com que suba nas sondagens e ultrapasse o partido que mais o pode alimentar em termos de votantes, o PSD. O CDS já era. Infelizmente. E estamos para ver que fatia do bolo este último terá numa futura coligação com o PSD na Madeira, quando se sabe que como partido nacional está acabado e como partido regional deixou de existir além do reduto de Santana. Estarão os membros do PSD dispostos a dividir lugares em listas com um partido que não traz capital político de monta ou vão deixar que o CDS concorra sozinho para garantir que alguns dos simpatizantes deste partido com vontades cheguistas se mantenham nas hostes, mas sacrificando, com quase toda a certeza, os lugares de relevo que mantêm hoje no governo e na Assembleia? Suponho que André Ventura ande a monitorizar a situação, assim como a chamar a si os descontentes dos dois partidos, esvaziando-os e ultrapassando-os.
Voltemos ao populismo e ao nativismo. Para Mudde, a extrema-direita é algo mais amplo do que "populismo". No cerne da ultra-direita está o nativismo, que discrimina com base na etnia, enquanto o populismo o faz com base na moral. O nativismo é hostil às minorias étnicas, o populismo às elites. Ora, o Chega faz exatamente o cocktail perfeito. Por um lado, arvora-se dono da moral, dos bons costumes, defensor das pessoas de bem, anticorrupção, único partido impoluto. Por outro, ataca os migrantes e demoniza os pobres, como uma espécie de gente de outra raça, que não herdou a boa cepa portuguesa do trabalho de sol-a-sol e da defesa da família.
Qual a diferença entre esta onda da política de extrema-direita e as anteriores? A quarta onda caracteriza-se pela presença dos partidos e movimentos no discurso dominante e pela banalização dos protagonistas e das suas ideias. Defende Mudde que muitos partidos de extrema-direita - que rejeitam a soberania popular e a democracia - adotaram com o tempo um comportamento de direita radical, que aceita a democracia, mas contesta as instituições e valores mais importantes da democracia liberal, como os direitos das minorias, o estado de direito e a separação dos poderes.
A partir do momento em que estes partidos concorreram às eleições, os media ficaram seduzidos com a sua "extravagância", normalizando-os. Qualquer meio de comunicação deve ser livre e independente, mas uma atenção desproporcionalmente "negativa" dada aos partidos tradicionais populariza a direita radical e aumenta a sua visibilidade. Neste campo, se o PS sofre, tanto o PSD e o CDS estão a perder para o Chega a nível nacional, porque o eleitorado cheguista situa-se preferencialmente no "trend" de extremização da direita. O que não quer dizer que votantes de outros partidos, desiludidos, não se voltem para as suas soluções fáceis.
Há ainda a questão da falta de demarcação dos partidos tradicionais que "namoram" o Chega, num "Chega-te cá" que só alimenta a radicalização, com medo de perder maiorias, como acontece na Madeira. O namoro pode sair tão caro ao PSD como sairá a longo (ou curto?) prazo ao CDS: um dos noivos toma conta da casa e qualquer divórcio ditará o desespero de um e regozijo do outro.
Luísa Antunes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas