Iluminaram-se os seus membros numa alegria contagiante de miúdos que pouco tinham saído da Madeira e muito menos ao estrangeiro, como era o meu caso, num são burburinho de antecipação.
Prepararam-se os farnéis com bolachas, fruta, água ou sumos e os mimos extra que adornavam a mochila de felicidade.
No dia marcado, pela manhã, seguimos para o porto onde embarcaríamos no já vetusto "Pirata Azul" que, se a memória não me atraiçoa, navega agora pelo Rio Douro, por águas fluviais mais serenas e, provavelmente, menos agressivas à sua ancianidade. Já a bordo, como se o pequeno-almoço tivesse sido há horas, sacámos dos farnéis e começamos a debicar bolachas enquanto a embarcação zarpava e seguia rumo a sul. Cabelos ao vento, bochechas insufladas e farelos de biscoito a atingir os olhos dos vizinhos do lado.
A pouco menos do meio da viagem a minha colega mais próxima afirmou: "Não vejo a hora de saltar naqueles picos", apontando para o recorte dos cumes da Deserta Grande vistos ao longe. Mal sabíamos que a ilha era muito maior do que o que dali aparentava e que os tais cumes, nem um passo de Colosso de Rhodes alcançava.
A viagem mostrou-se mais longa do que prevíramos e a excitação inicial começou a dar lugar a uma "moleza" e enfado de quem não tinha, ainda, paciência para grandes navegações. Foi quando vislumbramos em frente a costa das Desertas e as suas enormes escarpas, gigantes, com marcas de derrocadas recentes.
Já consciencializados de que o território era de dimensão considerável, seguimos em direção à pequena baía onde o "Pirata Azul" seria amarrado por dois cabos a duas rochas consistentes. Alguns, poucos, desembarcaram no bote pneumático dos Guardas que nos esperavam, juntamente com os pertences de todos, a maioria saltou do barco e seguiu a nado.
Pelo mar adentro uma língua de calhau, cuja largura aumentava ou diminuía conforme as marés, cinza claro dava ao local um toque pitoresco, tal como a cabana dos Guardas da Natureza, aparentemente impotente, sob a escarpa.
Após as entediantes explicações acerca do local subimos trilho acima até ao cume. Foi aqui que a "porca torceu o rabo", não demorou muito até perceber que a escarpa era alta e que as bermas do trilho se precipitavam para o mar. Olhando para baixo o "Pirata Azul" mais parecia uma lancha minúscula. A fobia de alturas apoderou-se deste corpo que se agarrou feito lapa à parede de rocha natural e se recusou a avançar ou recuar. Em frente cerca de vinte metros de espaço, atrás cerca de duas dezenas de adolescentes nervosos a ordenar que avançasse. Após alguns incentivos das minhas colegas mais chegadas: Eva e Lara, lá despeguei da parede de calções rasgados e mãos arranhadas até ao topo.
Foi uma subida sofrida e dolorosa, mais para a alma do que para o corpo e no cume, dos tais que não dava para saltar, a antecipação da descida impediu-me de usufruir da paisagem árida e tão estranha como bela. Correu bem, a descer todos os santos ajudam e pudemos celebrar a vitória da superação do medo com uma fotografia a fazer o "V", com os dedos, à chegada à praia.
Assim como o passeio à Desertas é a vida: feita de antecipação, excitação, alegria, subida dolorosas, descidas rápidas e, com esperança, superação e vitória. Feliz mês de agosto.