Este ano todos me pareceram apressados para começar as celebrações, talvez para forçar a sensação de normalidade e ignorar este vírus que anda a ensombrar-nos. Novembro mal começara, e já algumas varandas se engalanavam com luzinhas pisca-pisca e, nas lojas, muitos procuravam a prenda ideal, aproveitando as promoções das moderníssimas sextas-feiras negras. O que oferecer é sempre questão difícil. Há famílias onde se busca o inesperado e outras onde se opta pela aquisição de algo necessário e, nesta área, há itens que vão conquistando fama de presença perene, como, por exemplo, as peúgas.
No que me diz respeito, mesmo viajando até a infância, jamais as recebi. Não era hábito na minha família, nem, que me lembre, nas dos meus vizinhos. Passado o convívio familiar, ou mesmo ainda durante ele, a pequenada, da qual eu fazia parte, esgueirava-se para os quintais e, de um muro para outro, mostrávamos uns aos outros as novidades que nos haviam pousado no sapatinho e peúgas jamais constavam. Por isso, e ainda que correndo o risco de estar enganada, suspeito que essa coisa das peúgas no Natal, será mais uma das tradições globalizadas que se nos vão impondo. Para nós, as prendas eram quase sempre brinquedos e o que eu mais gostava de receber era uma boneca, um trem de cozinha, chávenas e bules miniatura ou outros apetrechos com que pudesse mimar e cuidar daquelas minhas filhas de olhos pestanejantes e cabelos de fibras sintéticas. E o que eu gostava delas!
Na véspera de Natal, não comíamos bacalhau, outra tradição que agora uniformizou o país. Havia, sim, canja e sandes de carne de galinha desfiada para a roeza que trazíamos da Missa do galo. Depois, deixávamos o sapato junto ao fogão e íamos dormir, tanto quanto a alegria da antecipação de ver os presentes nos permitisse. Uns diziam que eram trazidos pelo Menino Jesus, outros pelo Pai Natal, o que me soava mais verosímil, pois o Menino era um frágil bebé, enquanto o Pai Natal, pelo contrário, era robusto e capaz de carregar um saco onde cabiam muitas coisas. Numa dessas noites, não resisti à espera e fui confirmar se os sapatos ainda estariam vazios ou se sobre eles já repousariam os embrulhos coloridos. Levava também a esperança de ver o Pai Natal, sem que ele desse por mim, claro. Descalça, iluminada apenas pela parca luz das estrelas coada através dos vidros da porta de pátio, caminhei em bicos de pé pelo soalho encerado de fresco do corredor. No momento em que estendi a mão para a maçaneta da porta da cozinha, que ficava mesmo à altura dos meus olhos, vejo-a começar a girar lentamente. Travei o gesto, em pânico. Queria fugir, porém, antes que os pés se movessem, a porta abriu-se e o vulto do meu pai cresceu na minha frente, tão silencioso quanto eu. Sobressaltámo-nos os dois.
— O que estás aqui a fazer? — perguntou, com alguma rispidez.
— Vinha… queria ver se o Pai Natal já tinha chegado.
— Ainda não! Mas não deve demorar — disse-me, em tom conspirativo. — Estava beber um copo de água e ouvi um barulho lá fora. Deve ser ele. Anda, vamos! Se descobre que está alguém acordado, não deixa presentes para ninguém cá de casa.
Voltei para a cama, conformada com a perspetiva de ter de esperar pela manhã para ver os presentes, com pena por não ter visto o Pai Natal, mas, acima de tudo, aliviada por não ter sido apanhada por ele.
Um feliz Natal a todos os meus leitores.