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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

28/07/2024 08:00

Um “coitado d`aquilo, naquele tempo, encaixava tanto num homem como numa mulher. Hoje, também penso que sim. É um alívio saber que, para o bem e para o mal, há lugar para todos sob o grande céu do Todo-Poderoso Criador. E não vale a pena andar a fazer pouco da gente antiga ou da gente moderna ou deste ou daquele, como se uns fossem melhores do que os outros. Cá nada. Tudo diferente, sim, mas no fundo, tudo igual.

Um “coitado d`aquilo”, naquele tempo, era assim uma espécie de um inocente que, às vezes, tinha a mania de que era dono disto tudo; um “santa-ignorância” sem consciência das suas falhas ou limitações. Acontece com todos de uma maneira ou de outra nem que seja uma vez na vida. Há cada história de “coitado d`aquilo” que dá para rir e outras para chorar. Vou contar uma que caiba aqui e as outras ficam para outro dia.

Em meados do século passado, o facto de uma rapariga poder ir à escola e fazer o 5ºano do Liceu era uma grande coisa para uma família. É o caso da Maria Nélia que estava tão entusiasmada com os seus estudos. Ainda por cima, era de boa cabeça, cumpridora e empenhada e queria trabalhar, de futuro, num banco ou nas Finanças ou numa secretaria do Governo, isso seria a Sorte Grande. Pois sim! Que assim seja, rapariga! Estudante da Escola Industrial, na disciplina de Geografia, a pequena precisava de estudar muito, não atinava bem com aquilo. O pai, para resolver o problema, comprou-lhe mapas e mais mapas que a criatura colou pelas paredes do quarto para estar sempre a ver aquilo, não fosse se esquecer e deixar algum continente ou oceano para trás. Responsável, ela pegou em papel químico e decalcou para o caderno diário todos os mapas que vinham no livro, as legendas e mais todos os dizeres, tudo tão bem organizado que era um gosto ver aqueles apontamentos coloridos naquelas folhinhas A5. Como se não bastasse, pôs-se a fixar em voz alta conceitos, continentes, mares e oceanos, rios e seus afluentes, climas, linhas férreas, produções agrícolas, indústrias, migrações, densidade populacional, sei lá mais o quê, tudo, tudo, na ponta da língua. Chegou o dia do exame oral e ela ia com todas as certezas absolutas, sintéticas e analíticas. Sabia tudo, tudo. O professor sisudo, de pé no estrado da sala, de fato e de gravata, o mapa mundi e o crucifixo pendurados atrás de si, na parede, ordenou que ela subisse até junto ao quadro preto e apontasse onde ficava África. Maria Nélia assim obedeceu, mas começou logo a tremer e não enxergava África ali naquele mapa. Ai mãe do céu! Mas onde anda África? Mas isto está de canelas para o ar? Os meus mapas são diferentes, pensou. “Coitado d`aquilo”! O professor esperou e esperou, mas como nada atasse nem desatasse, pôs-se-lhe a fazer perguntas sobre o clima de África. Maria Nélia sorriu satisfeita e papagueou aquilo tudo sem pestanejar, sempre a olhar para o mapa como se estivesse a ver passar por ali adiante o seu caderninho tão bem ilustrado. O professor de pasmado, principiou a rir e engasgou-se talvez com a saliva e, vermelho como um peru, tocou à campainha e veio o contínuo.

- “Deu-me no goto, com as respostas desta alma de Deus! Traga-me um copo de água, se faz favor” – disse, perdido de riso.

Se fosse hoje, no ultramoderníssimo século XXI, vê-se logo que “Coitado d`aquilo” seria o professor e não Maria Nélia, que saiu feliz e contente por saber tanta coisa, menos onde ficava África no mapa do professor.

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