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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

22/12/2024 07:30

Era a única na enfermaria. Durante a tarde, as duas colegas de infortúnio naquelas semanas tinham saído a rir, pelas mãos dos seus familiares. Ficou a pensar no almoço de Natal, nos presentes, na vida fora daquelas quatro paredes. Tentava enxotar as memórias doridas. Que a sua cabeça fosse como aquelas paredes vazias, sem cor, sem vida, sem nada.

A gravidade da doença não permitia a alta. Viúva, com dois filhos emigrados, ninguém quis arriscar deixá-la voltar para a solidão da sua casa, onde - não sabem os que por ali passam com o poder de assinar a nota de alta - ainda há cheiro e ecoa ao longe o som dos miúdos a disputarem os restos da massa de bolo família antes de entrar no forno.

Resignou-se. Seria uma noite como tantas outras, naquele quarto de Hospital, que era a sua casa há tantos dias. Tantos que deixou de os contar. Tudo tinha horas, minutos e segundos contados naquela enfermaria. O almoço, o banho, o lanche e a medicação. Um turno atrás do outro. Mas até essa rotina estava alterada naquela noite vazia e fria.

Já passava das oito da noite e não havia maneira de chegar o jantar. Naquela altura, teve a certeza de que se tinham esquecido de si. Estava sozinha, entregue à sua sorte.

Um barulho no corredor sobressaltou-lhe os pensamentos tristes. Os profissionais de saúde de serviço nessa noite, apareceram animados.

Instalaram ali mesmo uma mesa, onde dispuseram tudo, até um pequeno pinheiro de Natal com umas luzinhas tímidas, mas que pareceram as mais bonitas e brilhantes do mundo. Ainda vinha a fumegar a panela com a carne de vinha d’alhos.

As lembranças deixaram de condoer, puxaram uma manta e enroscaram-se no coração confortado dos que não estão sós. Foi verdadeiramente Natal naquele Hospital, sem troca de presentes, nem momentos para ostentar nas redes sociais. No fim, o Dr. João ofereceu o melhor daquela noite: Uma telechamada para um dos filhos, com quem falara uns dias antes a combinar. Maria chorou por fim. De alegria.

Era nisto que pensava quando, um ano depois, era ela quem levava a panela com carne perfumada a fumegar. Estava de regresso à enfermaria, os filhos ao seu lado. Foi ali que aprendeu o que era Natal, e queria agora passá-lo aos seus, como a receita de bolo família que era da sua avó. A empatia salvou-a.

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