Eu sei que um corpo não pode quase nada, que o peso da pele não se ouve, mesmo de perto, e a vida nasce onde mais se desespera; na leveza tão rara de um fio do tempo que abre a noite, ou atrás da mácula que o corpo não ouve.
Move todos os grãos de terra que puderes, cobre os olhos com o suor do pássaro que se atira do céu ao centro do teu peito; e espera, sobretudo não desistas de esperar. Lembras-te do tremor dos meus pulsos antes da tua chegada? Do lento interior da desordem enquanto a cabeça ainda não era?
Toda a memória de ti não poderá esgotar-se nisto, na força do teu rosto contra o meu, no desejo a tingir a ferida como um último alento para o frio.
Hei-de esquecer a margem solta do teu braço, o mar que trazes para dentro de mim até ao colapso. No princípio, foi assim, ainda que te não lembres; entrar pelo abismo claríssimo da tua boca, gritar o fundo da noite como a criança saída do escuro. Em tudo, hei-de encontrar delicadeza. Na pedra que o mar derrotou como na flor que a terra não quis. Tudo começa pelo fim, essa língua quente que se nos estende antes da morte e vem sentar-se sobre a face mais magoada. Pelas frinchas, hei-de fazer da dor delicadeza, lutar por uma e por outra, ser corpo contra o vento. Nem uma nem outra.
Olha-me; tu bem sabes do lugar de devoção onde me encontro, uma pureza que não mais resta porque se não perdeu dentro do tempo tão certo. Mas os teus olhos não desistem de rezar este pecado transitivo de cinzas por arrefecer. Estamos perto; ainda que as mãos possam sobrar diante dos corpos esvaídos e a turbulência seja agora a última forma de respirar.
Na verdade, é tão simples o abismo. Nunca soube por onde começar, a não ser por ti.