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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

4/06/2023 03:41

E então tu salvaste-me. Mais ninguém poderia fazê-lo, soterrar o quarto na minha pele, como o indício de uma fala distante pronta para o lume sobre os ombros. O espanto apaga a memória à água que morre, mas eu lembrar-me-ei sempre do primeiro dia, da alegria de nascer dos teus olhos para abandonar todos os outros corpos onde vivera até à tua chegada. Morri e encantei-me dessa morte, de todas as mortes que não eram eu. Nas tuas mãos soube, por fim, que uma raiz pode crescer do cimo, que um lago pode sucumbir ao peso de um coração vivo, que um corpo não é só um corpo se for para amar.

E então tu salvas-me.

A minha pele imita a terra anterior à sede da semente, a minha pele não mente, mesmo que saiba fingir que aqui esteve antes de tu chegares; como se existisse vida e morte nesse tempo, no dia em que nasci sem saber ainda da serenidade da mãe que brotaria dos teus olhos.

As mãos estão voltadas para o mar, reacendem as vagas mais escuras onde a noite não chega, e eu abandono os meus braços à queimadura onde o erro persiste. Sim, há-de estremecer uma treva no vazio, agitando as margens de uma aparição, como nas horas em que só é possível sobreviver da contemplação de um corpo, do seu sono profundo que ninguém habita.

Não sei como instaurar a palavra sem te ver dormir, como quem espera um lugar que ninguém abrirá, uma luz, uma flor retirada, talvez.

Salvas-me? A inocência ainda nem começou, e o erro será sempre a incitação a um milagre sem mãos para guardar. Vem, não me dês a mão, não, atravessa o chão da casa antes que o céu nos devolva o rastilho de um príncipe encoberto, de uma rocha primitiva sem as mazelas do desejo, somente os olhos húmidos do tédio, a casa onde nasci.

A terra há-de ser Deus, amparar o quarto contra o vento.

Eis aqui o teu corpo, o meu, coração líquido desprovido do músculo, por fim.

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