O que não quer dizer que as nossas capacidades e competências sejam menores, quer dizer apenas que a imagem que se cria é a imagem do deslumbre, sem ponderar as consequências. Por isso, ser a ilha com mais prémios, a saúde com mais avanços, a cultura mais empreendedora, a habitação mais luxuosa e cara, a educação mais tecnológica, o comércio mais inovador, a indústria de pontíssima é uma imagem representada que é poderosamente motivadora e age na construção de um capital identitário de um povo superior numa terra escolhida pelos desígnios divinos. Para a dinâmica completa, há necessidade de um "outro" que nos permita ver ao espelho. Neste caso, nós somos sempre "mais": nas regiões autónomas, e isso é especialmente cultivado na Madeira, o "outro" é o continente. Quanto pior a imagem deste, melhor a nossa. Assim, ao mesmo tempo que se alimenta a superioridade de um lado, nutre-se a inferioridade do outro. E há que correr para isso, aproveitando cada migalha e centímetro de caminho.
Não interessa que a verdade seja outra. Que quem saia da Região tenha outras histórias para contar. Ou que o vizinho da rua tenha melhores oportunidades. Tudo faz parte do deslumbre.
O deslumbre às vezes pode ter consequências perigosas. É o que acontece no caso da educação. Sendo a minha opinião apenas pessoal, sem vínculos a programas partidários (até, neste caso, contrária a muitos da minha família política), e baseada no que vou lendo, deixem-me dar o exemplo da adoção dos manuais digitais. É uma coisa nova, fantástica, vamos ser a Região mais à frente, os nossos meninos, através da prática do uso das tecnologias, vão conquistar o mundo: adota-se logo, porque é caro, porque é fixe, porque substitui quilos na mochila.
Não teria sido melhor adotar um regime misto - manuais digitais e impressos - até que nos chegassem estudos consistentes sobre o efeito do uso exclusivo dos manuais digitais para efeitos pedagógicos? Porque, agora, multiplicam-se os estudos sobre as consequências a nível oftalmológico (prevendo que as patologias nesta área irão aumentar exponencialmente), de postura e das aprendizagens. Vários países estão a retirar o uso de manuais digitais pelas graves consequências nas capacidades de leitura e escrita que se verificam nos alunos. A Suécia, em que o manual digital tem servido apenas de apoio e não de forma exclusiva como aqui, reclama, como se lê no Expresso, de 16 de setembro, uma "relação negativa" entre o uso excessivo de tecnologia e o desempenho académico e "está agora a colocar um travão na utilização dos ecrãs enquanto ferramenta pedagógica nas escolas", considerando que colocar os alunos em primeiro lugar tem de passar por reconsiderar a hiperdigitalização do ensino. Nada que já não tivesse sido afirmado pelo Conselho Nacional de Saúde dos Estados Unidos ou pelos estudos a nível da cognição de Singapura, que nos comunicam resultados no mínimo assustadores em termos da diminuição das capacidades de aprendizagem na área da leitura, escrita e reflexão. Se há benefícios na utilização dos manuais digitais, também há consequências e só um justo equilíbrio poderá ser auspicioso de um futuro pedagógico de sucesso para os nossos alunos. E o futuro pedagógico é a garantia necessária para uma melhor vida.
Aliás, só mesmo uma educação que tenha lugar para o jogo, para o diálogo, para as páginas, para a leitura, para a comparação e confronto permite ao aluno discernir entre verdade e deslumbre, garantindo para si não o viver de imagens construídas, mas uma vida de construção de realidades. É desse objetivo humilde que deve viver a governação.