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Artigo de Opinião

O ESPÍRITO DOS TEMPOS

26/01/2024 08:00

Nas novas fogueiras da Inquisição, presume-se não haver inocentes. Cria-se um enredo, mete-se dois ou três protagonistas, faz-se um festival imenso e momentâneo, e deixa-se, qual receita de culinária, a marinar. Para uns, isto soa a libertação e a catarse; para outros, isto sabe a uma mudança de fundo ou a vingança; para os oportunistas, tudo isto é apenas e só isso, uma oportunidade de cavalgar a onda. É assim que se minimizam as ideias, que se valorizam as suspeitas, que se disfarçam as incapacidades, que se fomentam as barricadas inamovíveis e intransponíveis que transformam as sociedades em uns contra os outros, em bons e maus, em brancos e pretos.

Mas lembremos, a alguns dos excitados do momento, alguns pormenores para refrear os ânimos sobre o espírito das revoluções que tantos parecem amar.

Comecemos com a Revolução Francesa.

Primeiro, havia a divisão entre Republicanos e Monárquicos Constitucionais que terminou, sem brandura, com a eliminação dos segundos às mãos dos primeiros. Depois, os Republicanos dividiram-se em radicais (os jacobinos) e moderados (os girondinos), um processo que avançou quando os primeiros eliminaram, com requinte, os segundos. Então, os jacobinos dividiram-se em duas novas facções. Uma era constituída pelos seguidores de Robespierre e de Saint-Just, outra era constituída pelos apaniguados de Danton. Por esta altura, o Terror e a utilização da invenção de Joseph Guillotin, a guilhotina, seguiam no auge. Em Paris, a exibição atraía multidões para a matança, no cadafalso, de milhares de pessoas. A arbitrariedade era evidente, o vermelho do sangue inundava as ruas, ninguém era poupado, e até idealistas como Desmoulins e, claro, Danton, acabaram sem cabeça.

Robespierre sentia-se um Deus, um ungido sem limites, até que chegou a sua vez. Um conluio envolvendo Saint-Just, um aliado de outrora, e antigos radicais e moderados que se coligaram para sobreviver, fez Robespierre ser guilhotinado no dia 10 de Thermidor (28 de Julho), dia do calendário que os revolucionários haviam forjado para eliminar a influência da Igreja da sociedade francesa.

Também a Revolução Russa de 1917 começou com a eliminação das classes consideradas opressoras. Isso incluía a nobreza, o clero e a burguesia, que metia alguns milhões de pequenos proprietários. Aliás, Lenine incentivou uma paz separada e humilhante com a Alemanha, porque a Guerra Civil interna precisava de uma saída rápida da I Guerra Mundial e concentração no que interessava. “A burguesia tem de ser esganada e para isso precisamos de ambas as mãos livres.”, disse ele. Mas não satisfeitos com os resultados do Terror Vermelho, os bolcheviques concentraram-se, depois, nos anarquistas e nos socialistas revolucionários, os velhos companheiros de caminho. Com estes eliminados, a coisa só amansou quando até os velhos bolcheviques se viram vítimas às mãos do Terror, o corolário dos predadores que se tornavam presas, num sítio onde não havia inocentes.

Vê-se muita gente interessada e satisfeita com o clima instalado no país dos megaprocessos, onde se mete o nome de pessoas indefinidamente na lama e onde calha e, por vezes, quais métodos estalinistas, se condena antes de se acusar. Aliás, o espectáculo é tão bem montado que as televisões avançam primeiro e os exércitos depois. Presumo haver algum prazer em regar a fogueira com combustível. Mas convém ter cuidado com os foguetes disparados, com os amores platónicos e com aquilo que se deseja. A revolução pode ser bonita e apelativa, mas é igual a Saturno: acaba a devorar os seus filhos.

A TENAZ

Luís Montenegro precisa de conseguir os seus dois objectivos principais: (1) precisa de conquistar votos ao centro para ter mais votos que o PS, sem descurar (2) as razões por que promoveu a Aliança Democrática, que é captar votos também à direita. Esta situação torna-se mais difícil quando o PS oculta o radicalismo com vestes angelicais e acarinha o Chega, interessado no seu açambarcamento à direita e no caos espalhado no país, uma armadilha que beneficia os dois.

Neste momento, o líder da AD sofre a pressão de um movimento de tenaz que se fecha à velocidade do tempo eleitoral. Logo, é preciso sair do limbo e ganhar fôlego. Sair do limbo significa fazer uma campanha positiva, que não ande a reboque de linhas vermelhas e divisionismos, e onde não é necessário agradar a todos ou apenas aos seus. Ganhar fôlego é parar a tenaz e mostrar que para o radicalismo à direita e o situacionismo à esquerda, há o PSD ao meio, o único partido com potencialidade transformadora no país. Nesta corrida pelos três primeiros lugares, Montenegro está, por agora, em posição ingrata porque muitas vezes o indeciso vota no underdog (no que vai atrás) ou faz bandwagon (vota no que vai à frente). Dificilmente, opta por quem vai no meio. Mas até ao lavar dos cestos, é vindima.

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