Se um dia eu chegar demasiado tarde, promete-me que hás-de voltar à minha última fala com o mesmo desamparo do filho que regressa ao corpo da mãe sem braços. Eu corro para que se faça cedo, corro, por vezes, contra a minha própria sede, inteira e clara na ilusão de um sufoco líquido e grave, tal qual as mãos que agora me entregas, prontas para içar um corpo que não cabe já em parte alguma nem pode ainda morrer.
Há este silêncio virginal que quase não arde da sombra que ruiu, as flores pesam sobre o ventre que espera, mas os meus olhos vêem por dentro da escuridão que não passa e crêem no que ouvem depois do rumor da terra. Escoo os teus dedos para dentro da minha cabeça e movo-me até um lugar puro onde as palavras não poderão jamais sobreviver. Um corpo só respira dentro de outro corpo, no silêncio e no calor dos ossos que atravessam qualquer noite. Depois há-de tornar a nascer como a árvore cumprida de uma só morte.
Se eu chegar mais tarde do que antes, lembra-te, levanta os teus olhos da água e incendeia de novo as raízes da minha aparição. Tu sabes, num tempo em que tive medo nenhum verão pôde salvar-me, nem sequer aclarar o mar profundo da minha infância; contudo, sem sabermos, o tempo arrefece os espinhos encarcerados nas pontas dos dedos e, um dia, o corpo termina. Um dia o corpo não se aproxima mais e ignora para sempre a mais branca escuridão. Há um outro lugar puro onde nunca conseguimos chegar, por mais que os sóis se inclinem sobre as sombras e os séculos se extingam no temor da boca. É inquieta a espera que nos separa da morte imensa, como se os dedos velassem essa porta por abrir, um milagre assombrado por entre justas silvas e pedras incalculáveis.
Repara, a minha pele ferve para o mar e sou triste, uma linha ténue e muito certa abandonada pelo brilho da inocência. Creio que é a partir daqui que o mar nos devora, numa espécie de adoração que o tempo não pode nunca cumprir porque afinal o mundo nunca foi limpo.
Se eu chegar demasiado tarde, não me faças esperar; confirma as minhas mãos restituídas como tua carne e treme junto ao meu corpo com o frio do princípio.