Este verão não foi amável com os meus testemunhos de encontros com o Outro Lado. No mês que costuma ser querido para todos vi e senti o esforço dos Bombeiros Voluntários Da Ribeira Brava e Ponta do Sol para salvar uma vida, ali mesmo, numa curva do Livramento, da Ponta do Sol, do nosso cantinho e do cantinho de quem se dirigia rumo ao sol e viu a sua vida ceifada, num cantinho, nosso. Nesse dia, soube, o pai completava sessenta anos, a mulher de menos de um ano estava grávida em fim de termo e aquela vida que se gerava já não conheceria quem, também, lhe dera a vida. Não é possível encarnar os sentimentos duma mulher que perde o marido enquanto sente o filho de ambos pontapear o ventre, não é possível imaginar o que é parir em luto, mas pariu, no início do mês que corre a vida deu origem à vida e o filho nasceu, sem a mão do pai, sem o abraço do marido, sem o sorriso do filho.
Uma sucessão de tristes coincidências que nos fazem pensar o que estaria Deus a preparar para estas vidas, que prova, que missão? E é nestas alturas que surgem as inevitáveis crises de Fé.
Na imperiosidade de prosseguir com o quotidiano, trabalhamos, suamos, queixamo-nos do calor e da humidade, com razão, dormimos mal, ou pouco, comemos, bebemos, esquecemos, lembramos de sobressalto, as ondas de calor pelo corpo, os suores frios da responsabilidade, o stress.
Em mais um dia de diligências no tribunal do Funchal, subia pela 31 de janeiro, em desvio das obras junto ao Hotel Orquídea, noto uma comoção do outro lado, na rua paralela, como o meu destino era ao lado não evitei passar por tal ponto, foi quando encontrei a minha amiga Gina, muito aflita e depois…mais um ser inerte, sem resposta aos apelos dramáticos das tentativas de reanimação do enfermeiro Filipe. Uma senhora, no limiar da meia idade, vinda do mesmo sitio que eu caíra para o infinito e nem as chamadas elétricas dos Bombeiros, que não consegui identificar, foram capazes de reverter. Dois passos, a senhora deu dois passos por cima dum canteiro desprovido de flores, e ali parou, pararam os passos, os calores, a humidade, o stress, a responsabilidade, a vida…. Dois passos sobre o canteiro e o futuro parou ali.
Para quê tanto calor, stress, dores de cabeça, dores de barriga? Dois passos…acabou tudo.