Regressada que estou aos meus textos e, atendendo ao contexto político internacional que vivemos, em que a desvalorização e agressão das mulheres parece estar na moda, apetece-me refletir sobre os retrocessos nos direitos das mulheres. Apesar de algumas pessoas dizerem que é impressão minha, respondo com um meme frequente Olha, é raro... mas acontece muito!
No passado dia 5 de abril junto à ALRAM, um grupo de pessoas, cerca de 50, juntou-se para protestar contra o facto de 3 rapazes “influencers” terem ido encontrar-se com uma jovem de 16 anos que tinha marcado um encontro com um deles que achou natural levar mais uns amigos para, alegadamente, a violarem, filmarem o ato e divulgarem na internet. O mais velho deste grupo tinha 19 anos. Não só não se arrependeram do que fizeram, como divulgaram a violação, aceitaram ser entrevistados e riram-se com as imagens de sofrimento que tinham publicado. Após a denúncia do hospital para onde a adolescente foi encaminhada, o castigo foi ficarem sujeitos a apresentações periódicas semanais e proibidos de contactos com a vítima, mas com um acesso total às redes! E eles usaram-no junto dos seus milhares de seguidores para voltarem a divulgar o vídeo pelos canais de whatsapp e quejandos, denegrirem a jovem, publicarem o seu nome e alegarem a sua inocência de machos alfa. Não há dúvida que ficamos sempre com a sensação de que o machismo é tratado com uma displicência e impunidade tais que compensa agredir as mulheres. Elas é que se põem a jeito, não se recatam como deviam, as roupas são provocadoras... Como se o que vestimos fosse um convite à violação ou ao abuso. Como se a culpa não estivesse em quem violou. Bem defendeu Gisèle Pelicot que a culpa tem de mudar de lado!
Estes e outros jovens acham que as mulheres são meros objetos de prazer e associam o feminismo a ódio aos homens. Acham que os direitos das mulheres os fizeram perder os privilégios que sempre tiveram e ter de partilhar o poder e os direitos é algo impensável. Não sabem relacionar-se com uma mulher, seja em relações amorosas ou não amorosas. Não fazem ideia do que é o sexo consentido, nem respeitam os limites que as parceiras estabelecem. Ficam indiferentes sempre que a dignidade das mulheres é colocada em causa. Não é por acaso que no relatório anual de segurança interna (RASI) os crimes que mais subiram foram o da violação e os de violência doméstica. Nestes crimes, a maioria das vítimas são mulheres e os agressores são maioritariamente homens. Ah, isso é impressão tua.... Repetindo o meme, apetece dizer olha, é raro, mas acontece muito!
Contudo, não fiquemos só pelos jovens. Tivemos uma entrevista a um intelectual “muito citado”, como ele se gabou na CNN Portugal, que foi acusado por várias investigadoras portuguesas e estrangeiras de assédio sexual e de extrativismo intelectual. Sendo inocente até o caso ser encerrado, decidiu debitar umas pérolas ao jornalista e a todas as pessoas que viram a referida entrevista. Ficámos a saber que as mulheres gostam de piropos e de ser assediadas. E ele pode dizê-lo porque estudou o assédio e sabe que as vítimas não se queixam. As que usam a sua voz para o fazerem é porque não foram vítimas. Daqui se “conclui” que as mulheres que denunciam são mentirosas, para além, claro, de serem vítimas do neoliberalismo e afetadas por uma agenda de extrema-direita que quer atacar o CES (Centro de Estudos Sociais) e o investigador...
Se virmos os comentários a esta entrevista de muitos outros homens de todas as idades nas redes, percebemos que, mais uma vez, culpam as mulheres que denunciaram, seguindo o padrão de Boaventura de Sousa Santos. Por isso, os crimes de violação e assédio são muitos mais do que os denunciados. Sabem porquê? Porque, de acordo com uns memes, além de não ser fácil ainda é difícil!