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Artigo de Opinião

2/01/2020 08:00

E o burocrata não se engana — nunca! — já que se escuda na ciência sempre que esta dá jeito, mas a classifica de insuficiente quando esta não é definitiva (como a ciência nunca é, nem deve ser). Basta relembrar a frustração do Burocrata-Mor de Portugal quando abandonou a ideia de se reunir com os cientistas da nação, queixando-se que estes não lhe davam nada de definitivo com que actuar — porque o que interessa é actuar, ou fazer que se actua, para parecer eficaz.

Para ilustrar esta minha teoria, acompanhe-me o leitor no seguinte exercício narrativo que pode bem ser verdade:

Imaginemos uma pessoa que, fazendo a sua vida fora da Região, resolveu esforçar-se por vir visitar a família pelo Natal. Chegada ao aeroporto que serve a Ilha e previamente munida de teste negativo ao vírus demoníaco, é informada de que, por ter dado como morada a dos pais e não um hotel, teria de fazer um segundo teste dentro de cinco a sete dias (numa estadia de dez dias), e que teria de se resguardar em casa enquanto não o fizesse. Embora seja verdade que o vírus também se propaga no avião, apesar das máscaras, não sei até que ponto é verdade que só vai para casa com quem a esta retorna, evitando a estadia nos hotéis da Região.

De volta ao nosso sujeito experimental, imaginemos que este leva a sério a recomendação de ficar em casa e a cumpre. Não espalha sequer uma constipação, sentado em casa, expectante e confiante no zelo do serviço estatal que lhe aplicará o importantíssimo segundo teste. Ao quinto dia, ainda em casa, o único contacto que tem desses serviços é o inquérito diário e insistente para saber da febre. Não tem.

Ao sétimo dia continua sem febre nem marcação para o teste; e já só tem três dias de férias. Ao oitavo dia, numa excepcional quebra das recomendações, vai ao hospital visitar as barracas dos testes, a ver se pode fazer o teste por iniciativa própria. Não pode. Voltou para casa, sem febre.

Ao nono dia, esta pessoa lá recebe o telefonema a convidá-la, de forma insistente, a fazer o teste no dia seguinte; o dia da sua partida.

Não sei até que ponto se surpreenderá o leitor se eu lhe disser que o que lhe acabo de relatar aconteceu de facto, mas assim é.

Posto isto, pergunto-me, em primeiro lugar, qual será o estudo científico que corrobora a teoria de que o mafarrico do vírus não se passeia com o turista — que fica, decerto, escondido no seu quarto de hotel — mas não se coíbe de aproveitar a boleia de quem volta à ilha natal para visitar família.

Também não será loucura, digo eu, perguntar qual a teoria por detrás do prazo prometido para o segundo teste, ou seja, porque é que o segundo teste não pode ser feito antes dos cinco dias, ou porque é que pode ser feito até, aparentemente, quando der mais jeito.

A empatia levou aquela pessoa a ficar em casa à espera do segundo teste. Empatia que ninguém manifestou por ela, ou por todos quantos são aconselhados, de forma assertiva, a esperar em casa pelo segundo teste, deixando-o para quando desse jeito. Ou melhor, empatia para lhes dar tratamento igual ao do turista. O medo gera o egoísmo de, por termos medo da morte — nossa ou dos que nos são próximos —, esquecermos qualquer tipo de empatia que poderíamos ter para com quem comete o vil pecado de aterrar no nosso santuário — já com teste negativo.

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