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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

11/04/2021 08:00

Nada sei sobre o lado menor do teu coração. Não saberei nunca nada sobre o mar que ruiu pela raiz do meu ouvido mais profundo. Deixa-me aqui, onde o pássaro se debruça à espera de nascer quando a morte vem entornar sobre ele a sua saliva.

Eu começo por aqui, pelo cansaço congénito que vamos lambendo para derrotar o tempo. O meu corpo sangra do ar que se acaba, da ferida que sou antes de ser. Olha-me onde não me vejo, como só tu sabes, como só tu podes. Acorda-me com os teus dentes de riso, quentes e afiados como a verdadeira coragem, nos lugares onde vou morrendo sem saber; e peço-te, nunca morras antes de mim.

Perdoa-me o egoísmo, mas só poderei morrer enquanto aqui estiveres, enquanto o teu corpo for a árvore de longe incitando a fonte, inclinada de ternura e velando a vida dentro do meu.

Não sei porque me escolheste ou como me viste dentro da escuridão tão clara do desacerto de tantos e tantos dias.

Perdoa-me se fui eu a trazer-te para dentro do meu medo e da minha fome, para esta espécie de recreio sem luz própria onde procurei forjar a infância, ou uma inquietação sepulcral que me devolveu os olhos por abrir. A sedução divina de uma vida póstuma.

Se o meu coração bate ainda, é por causa do fundo do mar para onde me puxas de todas as vezes que tremo de tempo encalhado à superfície. Tu conheces-me, sou um animal suave sem os brilhos do mundo, porém sempre pronto para o milagre.

As minhas mãos são depósitos intransponíveis até à tua chegada, no tempo exacto em que a minha morte pára de crescer, cercada pela tua boca. Louca é essa luz onde me deitas com a força incalculável dos teus dedos sobre a minha fronte. A melancolia também é isto, o lado menor do teu coração exalado da parte mais discreta de uma beleza maior. E enquanto a tua boca não me deixar chão para cair, hei-de regressar como louca à nervura fulgente da tua chegada, hei-de entrar no último sulco da noite com a impaciência do deus que perdeu como homem.

Mas és tu o santo que persiste, o que melhor me vê. E no fim [como saber] não saberei escolher o lado certo do teu coração.

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