As cidades são organismos vivos, em perpétua mutação. O espaço público, esse campo de batalha entre o natural e o construído, revela muito sobre as prioridades de quem decide. Em Lisboa, 47 jacarandás da Avenida 5 de Outubro têm os dias contados para dar lugar a um parque de estacionamento subterrâneo. O projeto é promovido pela Fidelidade Property, braço imobiliário da seguradora Fidelidade, no âmbito da Operação Integrada de Entrecampos. A promessa: 22 árvores serão transplantadas, 25 abatidas.
Enquanto isso, a 1.400 quilómetros de distância, Paris move-se noutra direção. Em vez de sacrificar árvores para abrir espaço a carros, a cidade planeia eliminar 60 mil lugares de estacionamento para plantar árvores e criar novas zonas verdes. Um gesto de resposta ao calor urbano sufocante e à necessidade premente de devolver a cidade às pessoas.
E se algo semelhante acontecesse na Avenida Arriaga? Se um dia, num qualquer despacho municipal, se decidisse que os emblemáticos jacarandás que ali florescem todos os anos deviam ceder lugar ao asfalto? Se nos dissessem que o espaço público onde passeamos, conversamos e respiramos seria entregue, sem cerimónia, ao deus automóvel? As árvores no espaço urbano não são apenas um adorno romântico. São reguladores térmicos, filtros de ar, agentes de biodiversidade. São abrigo e sombra, pontos de encontro e em alguns casos autênticos marcos identitários e sociais. Nos meses de calor, o maciço arbóreo baixa as temperaturas e em dias de chuva intensa, as raízes combatem as enxurradas. O ar que respiramos melhora e, com ele, melhora a nossa qualidade de vida. Não será por isso que a Madeira é tão procurada?
O que Lisboa e Paris nos mostram é um dilema que todas as cidades enfrentam: a quem pertence realmente o espaço público? Durante décadas, o automóvel foi o centro das atenções—avenidas alargadas, praças convertidas em rotundas, passeios encolhidos para caber mais uma faixa de rodagem. Mas há sinais de mudança. Cidades como Paris, Barcelona ou Amesterdão perceberam que o futuro não passa por mais carros, mas por mais espaços verdes, por ruas pedonais e por transportes públicos eficientes.
Na Madeira, onde o território é escasso e a pressão automóvel crescente, há muito por fazer. Fechar ruas ao trânsito não é um sacrifício, mas um investimento num futuro urbano mais habitável. O estacionamento é o argumento que tudo justifica, mesmo que o preço a pagar seja a perda do património arbóreo (e já nem falo no cultural e no edificado).
O que queremos para as nossas cidades? Para qualquer localidade da região que hoje se debate entre manter o que resta do seu maciço arbóreo ou sacrificá-lo em nome de um capricho? Cientes de que mais importante do que saber o que fazer é saber o que não fazer. O debate não é entre o progresso e a nostalgia, mas sim sobre que tipo de progresso queremos. E se ele inclui, ou não, a sombra fresca de um jacarandá em flor.