Hoje, na terceira parte, propomos a análise do Decreto n.º 109/XIV, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, e, que deu origem ao Acórdão n.º 123/2021. Este Acórdão, por sua vez, será analisado na quarta parte do artigo, publicado no próximo mês.
Atendendo ao Decreto n.º 109/XIV, verificamos que, nos termos do artigo 2.º, considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde. Este pedido pode ser livremente revogado a qualquer momento.
A abertura do procedimento clínico de antecipação da morte (artigo 3.º) é efetuado pela pessoa que preenche os requisitos mencionados, através de um documento escrito, datado e assinado pelo próprio, a ser integrado no Registo Clínico Especial (RCE) criado para o efeito. O pedido é dirigido ao médico escolhido pelo doente, doravante designado por "médico orientador", que pode ser ou ter sido o médico pessoal ou de família do doente e que pode ser especialista na patologia que afete o doente. O médico orientador deve obrigatoriamente aceder ao historial clínico do doente e assumi-lo como elemento essencial do seu parecer. Posto isto, emite parecer (artigo 4.º) fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada. A informação e o parecer prestado pelo médico e a declaração do doente, assinados por ambos, integram o RCE. Se o parecer do médico orientador não for favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão, podendo o procedimento ser reiniciado com um novo pedido de abertura, se o doente assim o entender.
Depois do parecer favorável do médico orientador, este procede à consulta de outro médico, especialista na patologia que afeta o doente, cujo parecer confirma ou não que estão reunidas todas as condições, o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão. À semelhança do primeiro, este parecer também integra o RCE e caso não seja favorável, o procedimento é cancelado, havendo sempre a possibilidade de reiniciar com novo pedido de abertura, conforme o artigo 5.º.
É obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria (artigo 6.º) sempre que o médico orientador ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte ou quando admitam que possa existe alguma perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões. Se se verificar alguma destas situações, o procedimento é cancelado, existindo, novamente, a possibilidade de reiniciar com novo pedido de abertura.
Se todos os pareceres forem favoráveis e após reconfirmação da vontade do doente, o médico orientador remete cópia dos RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte (CVA), solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento (artigo 7.º). Se o parecer da CVA for desfavorável, o procedimento é cancelado e pode ser reiniciado com novo pedido se o doente assim entender; se, for favorável, o médico orientador deve informar o doente do conteúdo do parecer, reconfirmar a vontade do doente, devendo a sua decisão consciente e expressa ser registada em documento escrito, datado e assinado pelo próprio.
Mediante o parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte (artigo 8.º). No dia, podem estar presentes as pessoas indicadas pelo doente (artigo 13.º). E, antes do início da administração ou autoadministração dos fármacos letais, é obrigatório confirmar se o doente mantém a vontade de antecipar a sua morte, em caso positivo, o procedimento prossegue, em caso negativo, o procedimento é cancelado (artigo 9.º). A decisão do doente em qualquer fase do procedimento é pessoal e indelegável (artigo 10.º), podendo ser revogada a qualquer momento, resultando no cancelamento do procedimento (artigo 11.º).