A dicotomia não é nova. Bruxelas, essa entidade distante e abstrata, tantas vezes apontada como a razão para explicar o que, por alguma razão, corre menos bem, serve para quase tudo. Já Durão Barroso, na qualidade de presidente da Comissão Europeia, dizia então que era preciso acabar com a "europeização dos fracassos e a nacionalização dos sucessos". É curioso como a observação continua pertinente, havendo quem ainda não tenha percebido que a Europa, afinal, somos todos nós: os 27 Estados-membros com os seus 446 milhões de cidadãos.
Dito isto, destacaria dois temas que foram amplamente noticiados no último mês, por diferentes motivos, tendo todavia a mesma origem - Bruxelas!
1 - A decisão tomada no final do ano passado pelos Estados-membros (incluindo Portugal) de não permitir a captura do peixe gata/xara de Câmara de Lobos caiu que nem uma bomba, embora todos soubessem que as capturas que vinham a ser realizadas eram uma situação de excepção ao abrigo do conceito de "pesca acessória", ou seja, uma pesca que decorria de uma ação não intencional em consequência da captura do peixe espada-preto. Mas sendo uma situação excepcional, também se sabia que, mais cedo ou mais tarde, o problema viria novamente à discussão, pois era claro a existência de uma linha vermelha intransponível do lado da Comissão: a garantia que essas capturas acidentais não colocam em risco a sobrevivência da espécie. Curiosamente, se recuarmos no tempo, ficamos com a ideia que, volvidos 6 anos, pouco ou nada mudou, pois os argumentos que hoje se apresentam em defesa da captura e comercialização da espécie são, em bom rigor, os mesmos que foram apresentados em 2015. Não sendo perito na matéria, guardo para mim duas convicções: (1º) Insistir no mesmo conjunto de argumentos (ainda que plausíveis), não resolverá este impasse e portanto, não resolverá a proibição actualmente em vigor; (2º) O conflito de interesses (RAM/Comissão Europeia) só se resolverá com diálogo e evidências científicas suficientes de que a sobrevivência deste tubarão de profundidade não está ameaçada pelas artes de pesca utilizadas na captura do espada-preto. E neste campo, parece-me que a bola não está no lado de Bruxelas, mas da RAM, a quem compete mostrar as referidas evidências necessárias à (re)abertura de um dossier que no passado já foi revisto e alterado.
2 - O Plano de Recuperação e Resiliência foi apresentado e colocado à discussão pública. São 561 M€, sob a forma de subvenções (a fundo perdido) que deverão ser aplicados até 2026. Independentemente da (in)satisfação com o valor reservado à RAM e, em particular, à diferença em relação ao arquipélago vizinho, o certo é que vem aí uma "pipa de massa" (de Bruxelas!). São verbas que, se não forem usadas sábia e prudentemente, poderão hipotecar o futuro e a competitividade da Região no médio prazo. Relembro, por exemplo, o compromisso já assumido de, até 2030, reduzir em 55% (face aos valores de 1990) as emissões dos gases com efeito de estufa. São metas ambiciosas que requerem ações imediatas, caso contrário, muito dificilmente seremos bem sucedidos. Por isso, a aplicação destes fundos deverá ser inteligente, criteriosa e orientada, não apenas para as necessidades do momento (na sua maioria decorrentes do combate à pandemia e às suas consequências), mas também para as metas e exigências do futuro.