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Artigo de Opinião

Advogada

18/02/2022 08:00

O bisalho era o mais novo duma catrefada deles, a irmã mais velha tinha idade para ser mãe dele, fazendo as contas pelos dedos, a mãe já podia ser sua avó.

Ao todo eram dezasseis e como em todo o lado, naquela época, os mais velhos cuidavam dos mais novos, ou seja, eram deixados à porta com uma batinha branca, umas batatas e nada por baixo, porque para baixo todos os Santos ajudam.

Francisco (Francisqui, como o chamavam lá) foi crescendo de rojetes extemos no chão e na terra estrumada, padejando na água de giro atupida na levada para regar as tanarifas e ranho na ponta da penca.

Ao sábado à noite tomavam banho numa tina aquecida com água da panela e ao domingo pela matina, iam à primeira missa com andar desajeitado de quem não sabia bem se haver com sapatos, tomar a Deus, depois de confessar que tinham passado as palhetas às nêsperas de Zé da Cova.

O exame da quarta classe estava feito, mais por medo das canhotadas e das vergastadas da professora por não escrever com a mão direita, do que por vontade. De qualquer forma, Francisqui já tinha o papel da escola e com doze anos feitos, já podia dar dias fora. De qualquer forma, metade dos irmãos já tinham embarcado e os pais estavam cada vez mais gibas e entramelados, era obrigação dos mais novos por comida mesa e pagar a décima da casa.

A voz engrossava e por cima da beiça uma sombra de bigode dava o ar da sua graça. Francisqui já se achava um homem e, se calhar, já era. Pensava em embarcar para a Venezuela, um dos irmãos vivia numa cidade grande com um nome estrangeiro mas, que ele podia jurar ser "Barco de cimento". Era como o Antouine que tinha entrado sem os direitos na África do Sul e andava fugido numa cidade qualquer chamada "Capitão". Aquela gente dava cada nome aos lugares…

Enquanto não tinha idade, ia dando dias fora na fazenda e, quando aparecia, como aprendiz do Mestre João. Já sabia assentar blocos e fazer massa, o que estimava mais era assentar loiça no chão e nas paredes dos quartos de banho que os embarcados faziam nas casas novas que vinham benzer na festa do Divino Espírito-Santo.

Francisqui sonhava aquela vida para si. Arranjar uma pequena na Venezuela como o vizinho que tinha trazido uma rapariga da Colômbia. Um dia ainda havia de ir à Colômbia buscar uma rapariga bonita como a mulher do vizinho, arranjar um negócio, ter uns pequenos e ser rico.

Vinte anos depois, Francisco está a chegar ao adro da Igreja do Carvalhal no seu Mercedes verde, relógio dourado, cordão com a cabeça de Nosso Senhor em ouro e uma família, que não foi buscar à Colômbia, casou com Rosalina, a pequena do Zé da Cova, a mais nova, que conheceu nas nêsperas e é feliz. Continua a escrever com a mão esquerda.

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