Há anos, embalada por um projeto pessoal que tive de interromper e adiar, entrevistei o Rui Nepomuceno sobre o seu percurso político, e no contexto particular regional, durante cerca de duas horas - duas horas, asseguro, que foram de aprendizagem privilegiada e de confraternização, entre um mestre e uma aprendiz (aliás, o Rui foi sempre um dos consultores a quem recorria quando deputava na Assembleia Legislativa, quer fosse para esclarecimentos jurídicos quer fosse para aconselhamento e discussão política e ideológica). É um Homem generoso e altruísta, o Rui, ou não fosse ele o "advogado dos pobres". É humanista, com grande sentido de justiça; um bom amigo e camarada e um comovente contador de estórias da nossa História. E aina, um convicto democrata, antifascista e autonomista.
A primeira pergunta que lhe fiz nessa entrevista, foi a de como é que havia chegado ao Partido Comunista, sendo ele filho de um industrial abonado e de uma católica, numa região como a Madeira, com forte propensão conservadora e clerical, "escorreita" à direita política, o que vinga até hoje.
Segundo o próprio, chegou ao Partido Comunista quando estava na guerra, em Angola, mesmo que antes, e em Coimbra, já participasse ativamente em lutas estudantis antirregime integrando movimentos unitários de esquerda (mas onde também cabia, na altura, alguns elementos da social-democracia, que eram "malta porreira com quem se podia contar pela luta das liberdades e até pela democracia política, mas não passava daí").
Foi por essa altura, em 1962, que encontrou Manuel Alegre (o político e poeta) que lhe fez a proposta de aderir ao partido, mas sentia-se pouco confortável com o estalinismo. "O Manel faz-me o convite, mas veio-me outra vez a questão do Estaline que para mim era "complicada "e ele disse-me uma coisa engraçada - "tu és cristão ou não és?", ao que respondi que era agnóstico, mas eticamente, sim, era cristão; - "e não houve, em nome do Cristianismo, a Inquisição que matou tantos pensadores? Não te agarres a isso, Rui, que o socialismo é uma coisa tão bela".
Quando regressou à Madeira, procurou por pessoas do partido, mas este, desde 1948, se estava organizado, só poderia ser na clandestinidade. Mesmo assim, por via de António Canavial (que trazia os jornais Avante para o Funchal), lá frequentava círculos unitários, como o Cine Fórum; escrevia no Comércio do Funchal ("formador de milhares de democratas"); convivia com elementos do Teatro Experimental e com o movimento jovem e católico dos Padres do Pombal; participava em encontros e conferências do Pátio, com figuras da literatura e abordavam-se, nos encontros destes organismos, questões políticas, culturais, sociais e artísticas. Ou seja, ia havendo uma "celulazinha organizada do partido" que até subscreveu em 1969 a "Carta a Um Governador" com Fernando Azeredo Pais e Anjos Teixeira (ambos do PCP), António Loja, entre outros (e redigida por Fernando Rebelo), em reivindicação contra o regime, pela defesa da Democracia e pela defesa da Autonomia política ("os srs. do PSD acham que são os grandes homens da Autonomia, mas não foram só eles, quem levou com perseguições e ameaças da Pide fui eu", também por esta luta).
"Apesar de tudo, havia uma vida mais rica, intelectual e culturalmente política, naquela época, do que hoje em dia", mas tanto a Autonomia regional como a afirmação da organização do partido Comunista na Madeira só ocorreram com a Revolução de Abril.
- Rui... e foste discriminado por te assumires comunista, pessoalmente, no trabalho, na tua vida cívica e social? - esta, foi a segunda questão que lhe coloquei na entrevista. Fica para outro artigo, a sua resposta.