Numa manhã mais escura que a noite, como escreveu a cineasta afegã, Sahraa Karimi, o Afeganistão encheu-se de caos, de desordem, de atentados aos direitos humanos, principalmente aos então conquistados direitos das mulheres.
Belqees Niazi, uma jovem estudante, afirmou que "se os taliban voltarem, o Afeganistão ficará adiado durante 100 anos". E já começou a ficar. Adiado o Afeganistão, enquanto sociedade que não se conseguiu emancipar e solidificar com a ocupação das últimas décadas, adiado o Afeganistão das famílias com mulheres que trabalham e com meninas que estudam, adiado o Afeganistão sem o radicalismo religioso.
Mas, ainda assim, um país diferente daquele de há 20 ou 30 anos, com jovens prontas para lutar. Safia Hussain tem 18 anos e, para ela, "sair não é solução". Astuta, defende que "quanto mais se oprime as mulheres, mais elas tentarão lutar". Mas as mulheres não devem seguir sozinhas. Podem e conseguem, claro, pela sua força, pensamento e astúcia. Mas não devem.
Recordo-me de defender precisamente esta ideia numa sessão de Assembleia Municipal, no Funchal, e de me olharem de lado algumas das pessoas que tanto dizem defender as mulheres. Que escrevem os e as, que dizem amigos e amigas, não querendo ferir a suscetibilidade de ninguém, mas que continuam a ter na sua bancada (socialista, por sinal), homens e mulheres cujos impropérios seriam dignos de registo, e que ferem mais a alma feminina do que o desuso da linguagem saturada de ideologia. Gente do mesmo partido que procurou, há poucos dias, uma por uma, as listas de outras forças políticas e que as impugnou por…terem mulheres a mais.
E deste exemplo voamos para outros. Ou para a falta deles. Que é feito do movimento internacional #metoo, onde param as ativistas que pouco se indignaram com este holocausto às mulheres e meninas afegãs?
O Afeganistão não lhes adensa o status quo?
Oh, caramba. Tenham dó. Delas, afegãs, de nós afinal, e dos homens que defendem, também, os nossos direitos. Direitos humanos, direitos de todos.
E lembrem-se que, hoje, mais do que nunca, aqui ou no Afeganistão, o que precisamos é de ir juntos. Porque juntos vamos mais longe, porque juntos criamos oportunidades, porque juntos afastamos a opressão, o medo e o terror de quem, como as afegãs, poderá ter de se esconder para não ser ostracizado.
Lembremo-nos de Soraya Tarzi, a rainha feminista do Afeganistão, considerada "a mulher mais poderosa e esclarecida do Médio Oriente" que, há 100 anos, foi apresentada pelo marido e parceiro, o rei Amanullah Khan, como a ministra da educação, que conseguiu, pela força das suas convicções e porque nunca esteve sozinha na sua batalha, o estabelecimento dos direitos das mulheres afegãs, a abertura de uma escola para meninas em Cabul e o lançamento da Ershad-I-Niswan, a primeira revista feminina do país.
A história, por conta do ultraconservadorismo, ditou-lhe um fim num exílio mas deixou-nos a lição de que a luta dos direitos das mulheres não parará. E que essa luta, tão emergente no Afeganistão de agora, não é só nossa - de mulheres - mas é de toda uma sociedade que crê na igualdade. Porque juntos, chegamos mais longe.