Há dias, em conversa, dizia-me uma amiga que não se sentia com a idade que tem, mas sim muito mais jovem. Não foi a primeira vez que ouvi a expressão de tal sentir e eu própria, se não o verbalizei, já algumas vezes pensei. Mas o que significa ter uma determinada idade? É uma pergunta cuja resposta, é ditada pela imagem preconcebida que temos em mente. Um velho é um ser trôpego, meio surdo e de vista curta que passa o dia sonolento, sentado ou deitado e incapaz de cumprir grandes esforços físicos a não ser, quando muito, jogar às cartas com os amigos no jardim, se for homem, ou fazer croché e bordados, se for mulher. Mas a verdade é que a velhice que exteriorizamos pode depender de múltiplos fatores. Desde logo dos que a natureza nos legou, da dureza da vida, dos escolhos com que nos deparámos e como a eles reagimos, ou ainda das escolhas que fizemos ao longo dela.
Todos conhecemos velhos com muitas décadas somadas que persistem em ser criativos e participantes na vida familiar e social, cuja imagem nos deixa acreditar que serão mais jovens do que realmente são. Pode, pois, haver um desacerto no julgamento entre a velhice que se sente e aquela que se vê. É a velhice ativa aquela com que sonhamos e, quando não há dores, se não exigirmos demasiado de nós, quer física, quer intelectualmente, ficamos sossegados na crença que continuamos a ter capacidade para fazer qualquer coisa e a sentir que não somos velhos, mesmo que os outros assim nos vejam. Continuamos embrenhados no dia-a-dia e só nos apercebemos da idade quando passamos pelo espelho ou quando os amigos que não vemos há algum tempo exclamam generosos: "Estás com ótimo aspeto!" ou "os anos não passam por ti". Nessa altura, consciencializamo-nos que os anos, de facto, passaram. De resto, esquecemo-nos do corpo em que vivemos. É como se ele fosse uma casa cujas paredes esmaeceram e abriram fissuras, mas nós, que estamos dentro dela, não nos apercebemos da sua decrepitude. É como se estivéssemos à janela; o mundo que vemos é o de sempre e sentimo-nos parte dele. Só os que nos olham do exterior veem a imagem do velho que somos. Cá dentro, até sentimos que a vida é mais rica porque um velho traz em si o somatório de tudo o que já foi: a criança, o adolescente sonhador ou revoltado, o amante correspondido ou desamado, o progenitor enlevado ou dececionado, o profissional dedicado ou desencantado; as alegrias, as descobertas, as frustrações, enfim, tudo o que lhe coube viver. Com o passar dos anos, cada um de nós vai se tornando uma espécie de matrioska, aquela boneca do artesanato russo que guarda no seu interior as réplicas de si própria.
Hoje sei que envelhecer não é tão trágico como julgamos quando somos jovens. Nessa altura cremos que a juventude é a melhor fase da vida e nem sempre assim é. Com o passar dos anos, ela vai ficando mais saborosa porque vamos aprendendo a tirar satisfação do que se nos oferece e a relativizar o que é menos bom, incluindo a inevitável sombra da finitude.
Quando era pequena, e ia a uma festa de aniversário de outras crianças, ficava amuada quando os meus pais me iam buscar, porque chegavam sempre quando já tinham acabado as formalidades do cortar o bolo e cantar "parabéns a você" e a brincadeira estava na sua plenitude. Às vezes penso que a morte será assim esse interromper da festa da vida.