Logo, na adolescência, e ainda de forma subtil e quase imperceptível despontaram os primeiros indícios de que a igualdade ainda era quimérica em tantas esferas. Começa pela educação do "ser-se feminino", restringindo-nos as atitudes e comportamentos em benefício do outro género que, não sendo oposto, naqueles dias me parecia antípoda... A restrição de horários para as meninas, que se comprometiam na reputação se saíssem sós e a horas adiantadas que contradissessem o pressuposto social para as "mulheres de bem"; a experienciação inócua do "primeiro cigarro ou do primeiro copo", substâncias que não escapam à curiosidade, sobretudo nessa fase (e não é aqui questionável mais nada para além da diferenciação entre géneros aquando da permissividade e aceitação ao acesso do "novo mundo" que se nos aparentava...) e que na versão feminina assumiam proporções escandalosas e "feias" , extremismo que não era atribuído em igual tom aos rapazes; e que dizer das experiências e descobertas amorosas que discriminavam desde logo a pluralidade dos namoricos das "meninas" que haviam de se preservar (ainda no meu tempo) castas e ingénuas para quem as escolhesse (e não para quem elas elegessem, atentem!...) - situações que confinavam o mundo feminino em delimitações absurdas impostas por tradições e preconceitos que não dignificavam qualquer condição cívica ou grau civilizacional de que supostamente auferem as sociedades mais evoluídas...
Mais tarde, a confrontação pela experiência laboral onde afirmações frontais como "não aspire à efectivação nos quadros da empresa, tendencialmente não se empregam mulheres..." (uma multinacional onde, na altura, os cargos de direção eram totalmente masculinos) ou a indignação absurda de uma associação de produtores no norte "É veterinária? Mas... é mulher!..." - num contexto de formação inserido num universo potencialmente machista, à época, que era a avicultura; senti a diferenciação salarial, e não só, no domínio privado, que não se extrapolou depois, felizmente, ao sector público, mas onde, também aqui, a discriminação assumiu outras formas quer pela diferenciação de atribuição de funções, quer pela discrepância na delegação de responsabilidades ou cargos de hierarquia...
No âmbito pessoal e empírico entre pares de género, a sobranceria patriarcal, a humilhação da condição da singularidade feminina, o logro de expectativas e sonhos cruelmente dilacerados por comportamentos que não são ainda passíveis de configurar um crime pelo atentado à dignidade humana na qualidade feminina, pelo desprezo pela natureza que nos assiste, pela alienação não raras vezes voluntária das carências que nos assistem enquanto entes detentores de direitos que nos dignifiquem como seres humanos, pares e unos!
Discorrer na violência atroz e execrável que ainda dizima dezenas de mulheres em cada ano entre nós, é inevitável e necessário quando o combate é o propósito!
E que dizer do sectarismo imoral de que padecemos ainda, no núcleo de variadas instituições religiosas?!
Como se aquietar quando se sabe da atrocidade da excisão genital ou da absurda ilegalização do aborto em países que condenam milhares de mulheres à prisão ou à morte?!
Percorrer os números da desigualdade salarial que ainda vinga no contexto social que nos insere, é imperativo!
Atentar nos números assustadores de exploração laboral ou sexual que escravizam milhares de mulheres, maioritariamente jovens, é uma responsabilidade à qual cada um de nós não se pode esquivar! Porque ignorar é ser-se conivente!