Hoje, volto um pouco a mim. A uma parte da minha infância. Das férias letivas. Da Páscoa. Vivia-as dentro de um quartel. Invariavelmente. No exército, desde muito cedo, aprendi a distinguir os praças, dos sargentos e dos oficiais. Nas suas subcategorias. Fazia parte do meu dia-a-dia e, pela vida fora, evitou-me uma série de constrangimentos. Protocolares, essencialmente. Com a notícia da morte do coronel Carlos Matos Gomes, um dos Capitães de Abril, avivei memórias. Dos ovos que se escondiam na messe dos oficiais. Que na altura, mais me parecia um casarão. Do pátio, com uma espécie de circuito de 9 buracos de mini-golfe, no qual aprendi a dar as minhas primeiras e certeiras tacadas. Memórias que permanecem em mim. De abril. Que me levam a uma atualidade, que não posso deixar de partilhar. No último romance deste Capitão de Abril, intitulado ‘Geração D’, o também escritor, o coronel Matos Gomes, fala da geração de militares que acabou com a ditadura do Estado Novo. Aconselho a sua leitura, tanto mais não seja, pela presença de indicadores que nos transportam para as raízes intelectuais que moldaram a Revolução do 25 de Abril de 1974.
Neste grupo de militares, um outro, merece aqui ser lembrado, o Tenente-Coronel Ernesto Melo Antunes, para quem a democracia era de todos e para todos. A 5 de março de 1974, em Cascais, perante mais de uma centena de oficiais, leu o seu manifesto, no qual fazia a defesa de que a solução do problema ultramarino era, na sua essência, política e não militar. Mais uma vez, a História é convocada para justificar esta ideia já defendida por António de Spínola, no seu ‘Portugal e o Futuro’, um livro-choque que desafiou a política ultramarina, e não só, do Estado Novo. Na obra, este filho de madeirenses, o General Spínola, apresenta esta solução, como a que tem de ser encarada com realismo e coragem, pois acredita e faz a defesa desta, como a que corresponde, não só aos verdadeiros interesses do Povo Português, como ao seu autêntico destino histórico e aos seus mais altos ideais de justiça e de paz. Como primeiro Presidente da República, com propostas de organização política do país e de descolonização do império que se revelaram desajustadas, perante o contexto da época, o que se impõe, é uma reflexão sobre o seu lugar na História. O que nem sempre se coaduna com os valores das sociedades democráticas contemporâneas. Neste mês de abril, voltemos à memória, sobretudo às muitas memórias que foram silenciadas, no discurso político dominante. Honremos a memória dos que fizeram Abril.
Pela memorialização do 25 de Abril e da Revolução. Importa perceber as estruturas da sociedade, inserir o Estado Novo numa cronologia mais larga, recuar no tempo, na História de Portugal, da sua expansão, explorar as raízes económicas da invasão de Ceuta (1415) e, a partir daí, colocar em perspetiva todas as conquistas posteriores. Com estes elementos, desconstruir a propaganda e o discurso auto-legitimador imposto pela ditadura. Há muito Portugal. Com identidades. Muito para além da tão propalada missão civilizadora. Uma Santa Páscoa.