A casa estremece antes do acontecimento, adormece sobre os meus ombros, luta como um lobo contra a minha pele por abrir. Eu já nada sei, ou nunca soube, sobre a veia encardida que percorre a seco o teor do corpo - qual corpo?
Do cimo de ti, o céu; bosque nocturno entrando devagar sob as minhas unhas, intumescendo o som profundo do meu coração. Todos sabem como salvar uma alma, mas como se salva isto, um corpo? Como se não parte, como se não perde o alvoroço e o arrepio das crinas sobre as mãos? Como amar a desordem e a luz mais escura, agora que a morte se aproxima e se ri de toda a nudez? Eu hei-de amar um corpo, um Deus-corpo todo feito de pêlos e memória, um Deus-corpo-intervalo, precipitando-se para a interna melancolia, para a mulher mais inútil, a que arde. Hei-de poder amar esse incêndio tardio deflagrado na claridade e na inocência, desenhando a boca e a estrela, cobrindo o escuro com o seu manto de macias silvas até ao pranto da mulher amada. Salva. Belíssima como antes.
Se um corpo pressente a beleza, então resiste. Ainda que a flor se torne líquida à passagem de uns olhos cegos, ainda que a mão se engane no vento por entre sombras inundadas de gritos e pernas muito antigas. Ainda que; ainda mais.
Presunção a minha, esta, de atordoar-me como se valesse. Se nada sei sobre as pernas que apertam a ferida, sobre a palavra gutural que irrompe de uma ausência quase inofensiva, quase indolor. Se pelo menos eu pudesse cair e ser raiz, habitar um rio pela sua neblina, ou exilar-me no peixe que nenhum deus rasga.