Antigamente era normal o "verão de São Martinho", agora o anormal é o outono aparecer a dar ar da sua graça.

Em setembro chegavam os catálogos de roupa, como a "La Redoute", as compras "on-line" da altura que nos obrigavam a preencher códigos para categorias, cores e tamanhos, mas com um maravilhoso cheirinho a papel que causava uma caça à revista. Por vezes havia tréguas e, em cima da cama da minha mãe, atravessadas, com o zéfiro a dançar por entre as folhas caducas da vinha, escolhíamos as novas modas e mais um pacote de cuecas com corações nos elásticos.

A aragem fresca, os chuviscos e a levadia já não permitiam idas à praia. Era, de facto, outra estação.

As adegas cheiravam a mosto, o lagar seco e pintado de uva aguardava os restos da água "de pena" que o mantinham cheio o resto do ano a dar asilo aos meus peixinhos dourados e a nojentas sanguessugas rosa que pareciam minhocas de água e cujo mito rezava que nos podiam beber o interior como a um pacotinho do Bongo.

Não falemos de novembro, estatisticamente o mês mais chuvoso, das noites a cair desamparadas, o sino a tocar na igreja da Piedade, as lutas entre as nuvens e o por do sol.

Hoje estou aqui, há mais duma hora esperando uma diligência, como se quer dum bom advogado abnegadinho aos horários despóticos dos tribunais e olhando pela janela vejo um dia de céu azul, árvores de folhas amarelas e castanhas como que visitas inusitadas num verão constante. A folha da vinha recusa cair, os cachos ainda gradam e os que uns acham "maravilha", não passa dum preocupante impacto das mudanças climáticas e do adeus ao Outono. As alterações climáticas são reais e só quem não viveu nas décadas anteriores a 2000 pode se dar ao luxo de duvidar.

Bicho em araçais, uvas, pitangas, ameixeiras em flor em novembro, seca geral no mês mais chuvoso do ano. Mangas curtas no corpo… novembro para onde vais?